Bicho da carneira: uma análise discursiva de uma lenda no jornalismo de televisão

Resumo

O artigo “Bicho da carneira: uma análise discursiva de uma lenda no jornalismo de televisão” dedica-se a uma reflexão crítica sobre como o telejornalismo representa as percepções da sociedade quanto à própria identidade local, que é continuamente construída (apoiando-se nos estudos de Woodward, 2000). Sem minimizar os efeitos que uma produção de uma notícia considerada soft news (conceito de Gaye Tuchman, 1978) poderia ter, propõe-se uma análise estrutural e discursiva da reportagem do Programa Terra de Minas, da Rede Globo, que apresentou a lenda Bicho da Carneira da cidade de Pedra Azul, Minas Gerais. Esta análise é justificada pelo questionamento proposto por Brites da Costa (2013), no qual o contexto histórico e social influencia diretamente na forma como mitos e lendas são retratados pelo telejornalismo. Mesmo que possam ser notícias categorizadas como fait divers, a partir dos estudos de Mendes (2013), ainda assim, devem ter suas representações televisivas analisadas por produzirem reforços ou alterações na forma como o imaginário coletivo interpreta aspectos da cultura local. Nesta análise discursiva, baseada nos estudos de Fiorin, 2006 e Barros, 2020, apesar da ótica greimasiana que entende a produção de efeitos de sentido partindo apenas do texto em si, foi considerada a visão de Lara e Matte (2009) sobre a contribuição do contexto. A partir do título e da descrição do programa, foi encontrado um recorte de assuntos: gastronomia, turismo e cultura, a partir do “jeito bem mineiro de ser”. Estaria nesta expressão a identidade local a ser representada, melhor compreendida a partir dos estudos de Campos e Mafra (2018) e definições de França (1998). Ao analisar as categorias do plano da expressão, encontrou-se no nível narrativo mais profundo a constante oposição entre real e irreal, ou seja, aspectos comprováveis e ficcionais da lenda reportada. O irreal da lenda não é representado com escárnio ou deboche, mas sim como também verdadeiro, a medida em que, mesmo apresentando aspectos sobrenaturais não comprováveis, é legitimado pela cultural local e valorizado como riqueza cultural a ser preservada.