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A campanha negativa como estratégia eleitoral na perspectiva dos consultores políticos: quem atacar, quando atacar e como atacar1
La campaña negativa como estrategia electoral en la perspectiva de los consultores políticos: a quién atacar, cuándo atacar y cómo atacar
The negative campaign as an electoral strategy from the perspective of political consultants: who to attack, when to attack and how to attack1
Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. 45, e2022107, 2022
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Artigos


Recepção: 07 Julho 2020

Aprovação: 28 Fevereiro 2022

DOI: https://doi.org/10.1590/1809-58442022107pt

Resumo: Este artigo analisa a propaganda negativa como estratégia eleitoral. O objetivo é avaliar três questões básicas: quem atacar, quando atacar e de que maneira atacar. Para isso, aplicamos um survey a um grupo de consultores políticos brasileiros a fim de verificar como o uso da estratégia varia de acordo com as circunstâncias. Os resultados indicam que ataques ao adversário devem ser usados na parte final da campanha, tendo como foco suas propostas e, preferencialmente, via redes sociais. A decisão sobre quem atacar é influenciada pela expectativa de vitória e posicionamento nas pesquisas, mas mudanças nas intenções de voto modificam o alvo dos ataques e a intensidade com que a propaganda negativa deve ser usada.

Palavras-chave: Eleições, Opinião Pública, Propaganda Negativa, Campanha Eleitoral, Survey com Especialistas.

Resumen: Este artículo analiza la publicidad negativa como estrategia electoral. El objetivo es evaluar tres cuestiones básicas: a quién atacar, cuándo atacar y cómo atacar? Con este fin, aplicamos una encuesta a un grupo de consultores políticos brasileños para verificar cómo varía el uso de las estrategias de campaña negativas según las circunstancias. Los resultados indican que los ataques al oponente deben ser utilizados en la parte final de la campaña, que debe estar centrada en las propuestas del oponente y debe realizarse preferiblemente a través de las redes sociales. La decisión sobre a quién atacar está influenciada por la expectativa de victoria y el posicionamiento en las encuestas, pero los cambios en las intenciones de voto cambian el objetivo de los ataques y la intensidad con la que se debe utilizar la publicidad negativa.

Palabras clave: Elecciones, Opinión Pública, Publicidad Negativa, Campaña Electoral, Encuesta con Expertos.

Abstract: This article analyzes negative advertising as an electoral strategy. The objective is to assess three basic questions: who to attack, when to attack and how to attack. To do so, we conducted a research survey with a sample of Brazilian political consultants in order to understand how negative campaign strategies vary according to the circumstances. The results indicate that the decision to attack the opponent should be used in the final stage of the campaign, focusing on the opponent’s proposals and preferably via social networks. The decision about who to attack is influenced by the expectation of victory and positioning in the polls, but the dynamics of voting intentions change the target of the attacks and the intensity with which negative advertising should be used.

Keywords: Elections, Public Opinion, Negative Campaign, Electoral Campaign, Expert Survey.

“Quem bate, perde. Digo isso há muito tempo.

O povo não gosta dessas coisas

Marqueteiro Duda Mendonça. (Folha de São Paulo, 1º de outubro de 2018)

Introdução

Responsável pela campanha “Lula, paz e amor”, que levou o ex-presidente à eleição em 2002, o marqueteiro Duda Mendonça tem defendido, há pelo menos 20 anos, que a propaganda negativa deve ser evitada. O eleitor brasileiro, na perspectiva de Mendonça, não gosta de ver ataques, mas propostas. Embora seja uma visão particular sobre a eficácia de uma estratégia de comunicação eleitoral, a fala do marqueteiro acabou por disseminar uma percepção geral sobre campanhas no Brasil e suas características.

Por essa perspectiva, consultores e estrategistas deveriam buscar sempre mensagens propositivas, o que, em tese, produziria situações curiosas em que candidatos ao mesmo cargo nada teriam a dizer sobre seus adversários e suas propostas. A hipótese sugere que, mesmo em situação de desvantagem eleitoral, a propaganda positiva deveria ser priorizada.

Disputas eleitorais envolvem elevado grau de incerteza para candidatos, consultores e estrategistas de campanha. A necessidade de recursos financeiros, o tempo limitado, as inúmeras agendas e tipos de mensagens, a escolha das plataformas de comunicação e o perfil dos adversários são algumas das variáveis que potencializam essa incerteza. Mesmo entre os competidores que lideram as pesquisas de intenção de voto, é preciso tomar decisões que ajudem a manter ou ampliar chances eleitorais. Para aqueles que precisam despertar a atenção e o interesse dos eleitores, é preciso pensar em estratégias de comunicação com poder e eficácia.

Boa parte das escolhas dos candidatos se originam ou contam com a participação dos consultores de campanha. São eles que orientam ou ajudam a colocar em prática a estratégia geral do candidato. Ainda assim, pouco se sabe o que pensam sobre a campanha negativa no Brasil. A percepção disseminada por Duda Mendonça corresponde à dos demais consultores e estrategistas? A campanha negativa deve ser evitada mesmo em situação de desvantagem eleitoral? O que fazer quando o candidato vira alvo da propaganda negativa?

O Brasil tem consolidado nas últimas décadas a profissionalização das campanhas eleitorais. O uso de marketing eleitoral, pesquisas e profissionais de comunicação tem sido crescente. Essa tendência levou à produção de uma série de estudos sobre como a variável comunicacional é utilizada ou contribui para os resultados eleitorais. Muitos desses estudos, contudo, tendem a focar na análise do conteúdo das campanhas, negligenciando outras dimensões da questão. Esta pesquisa tem como objetivo mapear as percepções de um grupo de consultores e estrategistas de campanha que atuam no Brasil, procurando entender como eles veem o uso da campanha negativa e suas aplicações.

O artigo está dividido em quatro seções. Na primeira, discutimos de uma maneira geral os dilemas estratégicos associados à propaganda negativa. Na sequência, realizamos um debate teórico-metodológico sobre como medir empiricamente esses dilemas. A terceira seção apresenta os principais resultados da pesquisa que realizamos com 109 consultores políticos brasileiros. Na conclusão, debatemos as principais implicações do estudo.

Dilemas estratégicos da propaganda negativa

A propaganda negativa, entendida como a decisão de um candidato em criar uma imagem desfavorável de seus adversários, possui custos políticos. Há farta evidência documentada na literatura especializada mostrando que atacar o oponente pode provocar efeitos não previstos e indesejáveis. O principal deles é conhecido como efeito bumerangue: quando a propaganda não provoca danos no alvo dos ataques, mas sim em quem atacou (GARRAMONE, 1984; SHAPIRO; RIEGER, 1992; KING; McCONNEL, 2003). Outro risco menos frequente é chamado de duplo impacto, quando a propaganda invoca sentimentos negativos tanto em relação ao autor quanto em relação ao alvo dos ataques, prejudicando simultaneamente os dois (MERRITT, 1984).

Apesar dos custos, a propaganda negativa é uma estratégia usual em diferentes contextos. Nos Estados Unidos, medições mostram a ascensão dos ataques nas eleições presidenciais: ataques ao adversário chegam a compor metade dos spots veiculada na televisão (GEER, 2006; WEST, 2009). Na Europa, embora a tendência não seja de ascensão, o uso da propaganda negativa também é frequente nas estratégias dos candidatos, notadamente na Inglaterra (WALTER, 2012; NAI; WALTER, 2015).

No Brasil, a ocorrência de ataques não é tão alta como nos Estados Unidos, sendo maior no segundo turno do que no primeiro. Três razões explicariam a diferença: a forte regulamentação da propaganda eleitoral, que veda ataques entre candidatos, garantindo o direto de resposta ao agredido; o sistema multipartidário, já que ataques podem beneficiar não o autor, mas um terceiro candidato; e, por último, a rejeição por parte dos eleitores brasileiros a esse tipo de recurso retórico (BORBA, 2015).

Por que, afinal, candidatos usam a propaganda negativa apesar dos riscos? A principal explicação é que eles o fazem porque não possuem alternativa caso queiram ganhar a eleição. O recurso é usado quando os candidatos precisam inverter cenários eleitorais desfavoráveis; caso contrário o status quo permanece inalterado até o fim e a eleição é perdida. A hipótese ajuda a explicar por que alguns candidatos atacam mais e outros menos: líderes se valem menos da propaganda negativa (SKAPERDAS; GROFMAN, 1995; BORBA, 2015), pois não precisam inverter tendências, já que o status quo lhes é favorável. Já os demais candidatos têm de invertê-las ou perdem a eleição.

A hipótese também ajuda a explicar por que candidatos situados em uma posição superior nos índices de intenção de voto atacam, eventualmente, os candidatos que estão abaixo caso percebam que estão em ascensão. Nesse caso específico, o candidato ataca para alterar a tendência de subida do seu adversário e guardar sua posição na disputa, como aconteceu entre José Serra (PSDB) e Anthony Garotinho (PSB) na eleição presidencial de 2002. Na reta final do primeiro turno, Serra, que já havia desbancado Ciro Gomes (PPS) da segunda colocação, viu-se ameaçado pela ascensão de Garotinho. A decisão de atacá-lo teve como motivação preservar seu espaço político na estrutura competitiva. Afinal, candidatos precisam eliminar os rivais à sua frente e preservar o posicionamento daqueles que vêm de trás.

A decisão sobre quem atacar também deve levar em consideração a ideologia dos candidatos. Em um sistema multipartidário, como o brasileiro, a ideologia pode transformar um jogo não cooperativo no qual todos estão “livres” para atacar uns aos outros em um jogo cooperativo no qual os candidatos evitam atacar adversários do mesmo eixo ideológico, seja pela necessidade de receber seu apoio e de suas bases eleitorais em um eventual segundo turno (BORBA, 2012), seja pela necessidade de formar uma coalizão de governo com partidos da mesa linha ideológica caso eleito (WALTER, 2012).

Na literatura, há evidências de que candidatos privilegiam atacar concorrentes de campos ideológicos opostos (NAI, 2018). Tomemos a eleição presidencial de 1989 como exemplo. Apesar de polarizarem a disputa pela segunda colocação, Brizola (PDT) e Lula (PT) evitaram se atacar no horário eleitoral (BORBA, 2012). Os dois candidatos coordenaram suas estratégias, pois sabiam da necessidade de apoio mútuo no segundo turno contra Fernando Collor, assumidamente de direita.

O momento de atacar um adversário também faz parte do cálculo político de partidos e candidatos. Uma consideração importante é se o ataque deve ser feito no início, na fase intermediária ou nos dias finais da campanha. Kern (1989), por exemplo, sugere que cada etapa do ciclo eleitoral serve a diferentes propósitos: a fase inicial deve ser usada para a apresentação da biografia dos candidatos, a intermediária para a apresentação das propostas e a final seria o momento para atacar as fraquezas dos adversários.

Igualmente relevante é o momento do dia no qual o ataque deve ser veiculado. No Brasil, o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) é exibido na televisão diariamente no turno da tarde e no da noite. É possível especular que candidatos deem preferência para atacar nos horários de maior audiência, quando a visibilidade – e o impacto – é maior. Ainda em relação ao momento, outra questão diz respeito à iniciativa do ataque: é melhor iniciá-lo ou esperar ser alvo e promover uma contraofensiva? Há pouca informação sobre isso no Brasil. Segundo pesquisa de Garramone (1985), a refutação de um ataque aumentou o chamado efeito bumerangue no autor, porém não alterou a percepção do alvo.

Outra consideração estratégica tem a ver com o conteúdo do ataque. Os candidatos podem escolher entre dois tipos de discursos: criticar qualidades pessoais ou investir contrapropostas de governo de seus oponentes (BENOIT, 2015). Possivelmente, os candidatos buscarão um equilíbrio entre as duas estratégias, pois cada uma delas busca metas específicas. A primeira tem por objetivo chamar a atenção dos eleitores para a falta de preparo, honestidade e experiência, enquanto a segunda pretende enfatizar as prioridades políticas do adversário e seus impactos negativos sobre a vida dos eleitores.

Em experimento conduzido com estudantes universitários, Shapiro e Rieger (1992) mostram que as críticas às propostas foram percebidas como justas e por isso resultaram em vantagem competitiva para o autor dos ataques. Já ataques contra a imagem pessoal do adversário foi avaliado como injusto e resultou em efeito bumerangue. No Brasil, a percepção dos eleitores é parecida. Borba, Veiga e Martins (2018) estudaram as condições de aceitação e rejeição da propaganda negativa na eleição presidencial de 2014 e encontraram resultados similares.

Finalmente, a última decisão tem a ver com a veiculação do ataque. Atualmente, os candidatos dispõem de inúmeros canais de comunicação para atacar os adversários: entrevistas para a imprensa, propaganda exibida no modelo tradicional do HGPE do rádio e da televisão, inserções comerciais veiculadas no intervalo normal das redes de rádio e televisão (spots), debates promovidos pelas emissoras de televisão e, mais recentemente, mídias sociais como Facebook e Twitter.

Os spots de 30 segundos são considerados dinâmicos por aparecerem enquanto o eleitor assiste ao seu programa favorito; quando está desprevenido, portanto (LAVAREDA, 2009). O HGPE, exibido em dois blocos fixos na programação das emissoras de rádio e televisão, embora seja considerado estático e por vezes cansativo, oferece um espaço onde os candidatos podem expor suas propostas de maneira mais detalhada (ALBUQUERQUE; TAVARES, 2018). Já os debates oferecem a única chance para o eleitor avaliar os candidatos ao vivo e sem disfarces, em confronto direto com seus adversários (VASCONCELLOS, 2013). Finalmente, as mídias sociais – notadamente Twitter e Facebook – baratearam os custos de campanha e, ao mesmo tempo, ampliaram as possibilidades de engajamento online e de interação entre candidatos e eleitores (STROMER-GALLEY, 2014; AGGIO, 2010).

Diante da relevância de estratégias de ataques em disputas eleitorais, o objetivo deste estudo é compreender como profissionais de campanha as aplicam. Diferentemente dos estudos que focam na análise dos discursos de campanha dos candidatos, esta pesquisa procurou observar como profissionais responsáveis por campanhas no Brasil consideram ou não o uso da propaganda negativa, suas principais condições e meios de produzir e disseminar ataques a adversários políticos. Na próxima seção, explicamos mais detalhadamente as vantagens e desvantagens da nossa metodologia.

Como avaliar estratégias de campanha? Análise de conteúdo vs survey com especialistas

Dois percursos metodológicos são viáveis para analisar o comportamento estratégico de partidos e candidatos. Um deles é mapear o discurso durante a campanha eleitoral a partir da análise de conteúdo dos materiais de campanha. O outro é perguntar para profissionais e consultores políticos diretamente envolvidos nas decisões de campanha. Cada uma dessas escolhas metodológicas possui vantagens e desvantagens que precisam ser levadas em consideração pelo pesquisador. Entre as principais, encontram-se dilemas sobre os custos, a rapidez na coleta e análise dos dados e a abrangência da pesquisa.

O método tradicional de estudo das estratégias de campanha é a análise de conteúdo dos discursos dos candidatos. Consagrada nas disciplinas da Comunicação e da Ciência Política, ela permite ao pesquisador verificar, entre outras questões, os temas e propostas de governo defendidos pelo candidato, a imagem pessoal que ele pretende promover entre os eleitores e com quais candidatos prefere dialogar e/ou contrapor. No Brasil, inúmeras dissertações, teses, livros e artigos poderiam ser citados como exemplos de pesquisas que usaram alguma forma de análise de conteúdo – qualitativa ou quantitativa – para estudar eleições municipais, estaduais ou nacionais.

Diferentes questões metodológicas devem ser consideradas na análise de conteúdo. A primeira é o material a ser analisado. Atualmente, candidatos possuem enorme variedade de canais para expressar suas preferências políticas e tentar convencer o eleitorado de que são a melhor opção, como planos de governo, manifestos, panfletos, debates, posts nas redes sociais ou propaganda exibida no rádio e na televisão.

Essa primeira escolha tem consequências diretas sobre a qualidade da pesquisa. A seleção de apenas um dos canais pode ser insuficiente, já que, por exemplo, um candidato pode privilegiar as redes sociais para dialogar com o público jovem, normalmente mais conectado com esse tipo de plataforma, enquanto prioriza os debates televisionados para alcançar as pessoas com idade avançada. Analisar mais de um material aumenta a capacidade do pesquisador de conhecer detalhadamente o conjunto de propostas de um candidato, mas por outro lado torna a pesquisa menos veloz e consideravelmente mais cara, pois aumenta os custos relacionados à coleta e à análise dos dados e ao treinamento de codificadores das mensagens.

A análise de conteúdo tem como principal mérito ser um procedimento direto de análise de dados. Nessa abordagem, o pesquisador coleta aquilo que, de fato, foi dito pelos candidatos e, por isso mesmo, se o tempo de coleta e análise dos dados e os custos de uma pesquisa não são problemas a serem levados em consideração, ela é o método recomendado (GÉLINEAU; BLAIS, 2015).

O survey com especialistas é um método alternativo que consiste em enviar questionários eletrônicos para um conjunto específico de pessoas que conhecem profundamente o assunto sob investigação pela experiência como profissionais ou acadêmicos. Essa modalidade vem crescendo e tem sido usada para diferentes propósitos. Sua origem está relacionada a pesquisadores que o aplicaram a especialistas em política para conhecer o posicionamento ideológico dos partidos em substituição à análise de manifestos políticos (BUDGE, 2000; KEMAN, 2006; BENOIT; LAVER, 2007). Sua utilidade, atualmente, é mais ampla e ele tem servido também para avaliar outras questões, como a qualidade das democracias e a integridade das eleições (NORRIS; GRÖMPING, 2019), o tom dominante das campanhas (GÉLINEAU; BLAIS, 2015) e até mesmo para avaliar a personalidade ou o estilo de comunicação de lideranças políticas (NAI; MAIER, 2018; NAI; MARTÍNEZ I COMA; MAIER, 2019).

De especial importância para os propósitos deste artigo são os estudos sobre estratégias de campanha negativa. Pioneiros no assunto, Theilmann e Wilhite (1998) enviaram questionários – na época ainda pelo correio – a 246 consultores da Associação Americana de Consultores Políticos, convidando-os a se imaginarem em uma série de cenários eleitorais hipotéticos para saber que conselhos dariam para seus candidatos. Seus achados sustentam a premissa de que a decisão de atacar um oponente depende da posição do candidato na disputa. Mais recentemente, Nai (2018) submeteu um questionário a 675 experts em 35 países, confirmando fora do contexto norte-americano e em uma perspectiva comparada a expectativa de que a propaganda negativa é usada preferencialmente contra líderes de pesquisas. Seu estudo mostra ainda que extremistas atacam mais e incumbentes atacam menos.

A principal vantagem do survey com especialistas é, sem dúvida, o baixo custo. Diferentes plataformas como o LimeSurvey e o Google Docs estão disponíveis gratuitamente, enquanto outras estão disponíveis a custos relativamente baixos. A velocidade da coleta de dados e a sua abrangência também são vantagens consideráveis, sendo possível realizar uma pesquisa comparativa internacional. O Electoral Integrity Project, projeto conduzido pela cientista política Pippa Norris, vem há tempos coletando dados sobre a integridade das eleições em nível global com base em surveys com especialistas de cada país. Segundo o último relatório, relativo ao período entre 2012 e 2018 (NORRIS; GRÖMPING, 2019), foram contabilizadas respostas de 3.861 especialistas de 166 países, fornecendo informações sobre 336 eleições.

Uma vantagem adicional do survey com especialistas é sua capacidade de analisar inúmeras eleições simultaneamente. A análise de conteúdo normalmente privilegia a observação de um tipo de mídia em uma única eleição. No caso brasileiro, a produção científica historicamente se concentra no estudo do discurso dos candidatos a presidente transmitidos no HGPE. Na última década, o foco tem sido mais diversificado, com estudos sobre os demais níveis da federação ou sobre outros canais, como debates (VASCONCELLOS, 2013) e mídias sociais (AGGIO, 2020; AGGIO; LUCAS, 2013; EVANS; CORDOVA; SIPOLE, 2014; JOATHAN; MARQUES, 2020; MASSUCHIN; TAVARES, 2015; ROSSINI et al., 2018). No entanto, ainda são raras as análises que incorporam e comparam as estratégias discursivas em mais de uma mídia (BORBA, 2019).

Surveys com especialistas permitem superar essa limitação ao expandir a abrangência da pesquisa, pois esses profissionais atuam em uma ampla variedade de campanhas. Assim, é possível extrair informações sobre estratégias de campanha em cenários diversos como eleições municipais, estaduais e nacionais; eleições com um e dois turnos; eleições em pequenos, médios e grandes municípios e municípios com ou sem HGPE. O método também enriquece a pesquisa, pois esses profissionais possuem diferentes expertises. Há tanto especialistas em propaganda na televisão quanto em mídias sociais, portanto, os dados coletados não se referem à análise de um canal de comunicação de uma única campanha.

A pesquisa de survey com especialistas não é, todavia, livre de inconvenientes. Entre as principais desvantagens estão o processo de amostragem, a baixa taxa de respostas e a forma indireta de coleta de dados. Para enviar o questionário, é necessário ter uma lista de contato dos especialistas (o que nem sempre está disponível) e “torcer” para que estejam dispostos a responder. A literatura sobre surveys online reporta que a taxa de respostas costuma variar conforme o tipo de respondente e o propósito da pesquisa, embora seja normalmente inferior ao survey presencial ou ao aplicado por telefone (FOWLER, 2009). Na pesquisa sobre a integridade das eleições, Norris e Grömping (2019) informam que a taxa de respostas foi de 38% – na nossa, foi de 28%.

Certamente, a principal deficiência do survey com profissionais é a forma indireta de coleta de dados, isto é, o pesquisador não observa o fenômeno e se vale do relato de terceiros. Todavia, essa falta de precisão é compensada pela inclusão de um número grande de respondentes. De um lado, a inclusão de participantes atenua a imprecisão de uma única resposta. De outro, os especialistas baseiam as suas respostas a partir da experiência de atuação em muitas campanhas e não em apenas uma como na análise de conteúdo, oferecendo um painel mais diversificado (GÉLINEAU; BLAISS, 2015).

Metodologia

Neste estudo, o questionário eletrônico foi enviado pela plataforma SurveyMonkey para 377 estrategistas políticos brasileiros entre junho e novembro de 2018. A lista com os nomes foi composta a partir de diferentes fontes, mas principalmente com base nos filiados da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), que gentilmente incentivou seus filiados a responderem à pesquisa. Outros nomes foram sendo incorporados por indicações feitas por consultores amigos ou pelos próprios respondentes.

O questionário contou com 28 perguntas sobre as diferentes questões debatidas na seção teórica acima. No e-mail convite, os consultores foram convidados a imaginar que estavam envolvidos em campanhas majoritárias hipotéticas e a responder que conselhos dariam aos candidatos de acordo com a situação na qual se encontravam na disputa. No total, recebemos respostas de 109 consultores, que relataram ter participado juntos de 1.959 campanhas. Esse número está certamente subestimado, pois vários consultores responderam que participaram de “centenas” de campanhas ou simplesmente responderam que “eram tantas” que não saberiam informar a quantidade. Em média, cada consultor participou de 22 campanhas. O mais experiente indicou ter participado de 300 e o menos experiente de apenas uma.

Dos 109 respondentes, 80% eram do sexo masculino e 20% do sexo feminino. A média de idade dos consultores é 48 anos, tendo o mais velho 78 e o mais jovem 29. Eles afirmaram atuar nas cinco regiões do país, embora a maioria seja de região Sudeste (65%), seguida das regiões Sul (21%), Nordeste (19%), Centro-Oeste (11%) e Norte (8%). Considerando o tempo de profissão, o entrevistado mais experiente revelou atuar em campanhas há 50 anos e o mais novato há apenas um.

Resultados

Percepção geral da propaganda negativa: quando, como e onde atacar

A primeira questão investigada foi se havia uma percepção favorável ao uso da campanha negativa. Como sabemos, é pouco esperado que candidatos reconheçam a adoção de ataques em suas campanhas. Isso ocorre, provavelmente, pelo temor de que sejam avaliados negativamente pelos eleitores, produzindo efeito bumerangue. O mesmo não ocorre entre os estrategistas: 81% concordam ou concordam em parte que esta é uma estratégia legítima (Quadro 1). No núcleo de coordenação das campanhas, há uma percepção de que o recurso pode ser utilizado, sugerindo que essa estratégia faz parte sempre ou quase sempre do cardápio de táticas usadas pelos competidores.

Quadro 1
Percepções gerais da propaganda negativa

Fonte: elaborado pelos autores.

Sendo assim, a questão passa a ser: quando atacar? Entre os respondentes, a percepção majoritária é condizente com a literatura: 59% concordam ou concordam em parte que os ataques devem ocorrer na reta final da disputa eleitoral. Há ainda ampla percepção de que é melhor revidar que iniciar um ataque: 54% concordam ou concordam em parte que o risco da propaganda negativa é menor em caso de revide.

É menos consensual entre os consultores se é melhor atacar no segundo ou no primeiro turno. Como observado anteriormente, o multipartidarismo brasileiro tende a produzir disputas eleitorais com muitos candidatos, o que torna o efeito do ataque mais incerto. A dificuldade de mensurar esses efeitos aparece entre os estrategistas, que apresentam uma percepção mais dividida. 46% afirmaram concordar ou concordar em parte com a afirmação de que as chances de sucesso da propaganda negativa são maiores no segundo turno. Outros 39% afirmaram discordar ou discordar em parte, enquanto 14% disseram nem concordar, nem discordar.

Com relação ao tipo de ataque, a percepção dos consultores é condizente com o registrado pela literatura: ataques às políticas propostas pelos adversários costumam ser mais eficientes (65% concordam ou concordam em parte) que aos atributos pessoais (25% discordam ou discordam em parte). Embora as disputas eleitorais contemporâneas girem muito em torno da construção e manutenção da imagem dos candidatos em função da centralidade de meios de comunicação como a televisão (WATTENBERG, 1991; LEAL; VIEIRA, 2009), os dados sugerem a preferência dos especialistas por ataques às propostas, o que merece ser mais bem problematizado em estudos futuros.

Provavelmente, o tipo de disputa (proporcional ou majoritária) tenha alguma influência na resposta dos estrategistas, já que, no Brasil, o tempo de televisão para candidatos a cargos proporcionais é bastante reduzido comparado a disputas majoritárias. Há que se considerar também a possibilidade de os candidatos utilizarem a comunicação direta, via mídias sociais, para disseminar propostas políticas e aspectos relativos aos seus atributos pessoais.

Em razão da legislação eleitoral adotada no Brasil, candidatos têm acesso a uma série de canais para disseminar suas mensagens de campanha. Diferentemente do modelo americano, no qual competidores precisam comprar tempo na televisão, no Brasil, candidatos podem utilizar o HPGE e os spots para atacar adversários. Há também a possibilidade de concentrar ataques nos debates televisivos, mais comuns nas disputas majoritárias, ou mesmo nas mídias sociais, recurso barato cada vez mais usado e com uma característica única: o conteúdo pode ganhar engajamento orgânico, isto é, os eleitores assumiriam o papel de disseminadores da mensagem original, ampliando seu alcance.

Tanto a multiplicidade de canais para promover ataques quanto a centralidade das mídias sociais refletem as diferenças identificadas no survey. Quando perguntados sobre o melhor veículo para atacar o adversário, 52% responderam mídias sociais, 38%, televisão e 21,5%, debates. Interessante observar que para 17% dos consultores o rádio continua sendo o melhor canal para a propaganda negativa, enquanto 12% se mostraram indiferentes ao canal apropriado para esse fim. Esse achado sugere que as campanhas brasileiras estão alinhadas com a percepção de que as mídias sociais têm papel relevante na produção de engajamento dos eleitores para disseminar a mensagem dos candidatos (WLEZIEN, 2014), bem como os ataques aos adversários.

A preferência por um canal está associada à maneira como cada estrategista compreende a eficácia de um ataque. Enquanto nas redes sociais os ataques podem ser um poderoso conteúdo para engajar eleitores, deixando menos evidente a participação direta do candidato como autor da mensagem, nos debates os candidatos devem assumir o ataque direto. No HPGE e nos spots, também é possível identificar o autor das mensagens mais facilmente, o que amplia a chance de efeito bumerangue. A escolha do melhor canal pode representar também o ambiente no qual os consultores atuam. No Brasil, as eleições nos pequenos municípios contam com precária rede de comunicação interna, a maioria sem HGPE ou noticiário de televisão local, restando as mídias sociais e o rádio como únicos veículos para disseminar informação em larga escala.

Quando perguntados especificamente sobre o melhor momento para realizar ataques, 50% responderam que o melhor momento para atacar é no período da noite, enquanto 42% consideram o horário para veicular a propaganda negativa indiferente. Os 8% restantes informaram que o período da tarde seria o melhor. Embora a preferência pela noite seja maior, é pouco claro para os estrategistas se há vantagens neste ou naquele horário. Talvez parte dessa questão esteja associada a outra pergunta feita aos respondentes quanto à preferência pelo HPGE ou pelos spots como canal para apresentar os ataques: 61% preferem os spots, 19% preferem HPGE e 21% consideram o canal indiferente. A preferência pelos spots reflete o que a literatura tem apontado como uma das principais vantagens desse tipo de comunicação: é curto e pega o eleitor de surpresa (LAVAREDA, 2009), o que aumenta a possibilidade de sua eficácia.

Cenários eleitorais e estratégias de ataque

Nesta seção, o foco é mensurar questões ainda mais específicas sobre o uso da propaganda negativa. Queremos testar como os estrategistas consideram diversos cenários já que, como já apontamos, a adoção desse recurso sempre envolve riscos.

A primeira questão avaliou como os consultores avaliam o uso de ataques em uma situação de primeiro turno e com grande número de candidatos e há um relativo consenso. Cerca de 61% deles concordam ou concordam em parte que os riscos da propaganda negativa são maiores nesse cenário, praticamente o dobro (32%) daqueles que discordam ou discordam em parte. O resultado reflete um aspecto já discutido: quando há muitos competidores, não fica claro se o autor do ataque será necessariamente beneficiado pela estratégia, o que acaba desmotivando seu uso da propaganda negativa na primeira fase da campanha.

Os estrategistas precisam considerar também situações em que vale a pena investir na propaganda negativa, mesmo com a possibilidade de perda de apoio entre os eleitores. Eles se dividem quando perguntados se recomendariam seu uso quando seu candidato lidera as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno. Como já observado, os ataques são utilizados preferencialmente por competidores que estão atrás nas pesquisas. Cerca de 34% dos estrategistas dizem que nunca recomendam ataques no primeiro turno. Por outro lado, 36% afirmam que os recomendariam caso seu candidato estivesse em terceiro lugar, seguido por aqueles que o fariam se seu candidato estivesse em segundo lugar (27%). Para aqueles que lideram as pesquisas, o ataque é recomendado por apenas 6,8% dos respondentes.

No entanto, as campanhas são eventos dinâmicos. Oscilações na opinião pública provocam mudanças estratégicas: um candidato que liderava as pesquisas e anunciou que faria uma campanha limpa e sem ataques pode precisar rever sua decisão. Criamos alguns cenários hipotéticos dinâmicos para verificar como as estratégias de campanha mudam de acordo com as circunstâncias.

No primeiro cenário, o consultor orientava um candidato em primeiro lugar nas pesquisas com vaga garantida no segundo turno que estava sendo atacado por adversários. 62% dos consultores disseram que não atacariam nenhum dos adversários, 5% atacariam apenas o segundo colocado, 15% quase exclusivamente o segundo e 18% atacariam igualmente o segundo e o terceiro colocados nas pesquisas.

No segundo cenário, o candidato sob orientação ocupava a segunda posição e as pesquisas indicavam a eleição do primeiro colocado no primeiro turno. 63% optariam por atacar exclusivamente o primeiro colocado, 13% igualmente o primeiro e o terceiro e apenas 7% disseram que não atacariam ninguém. O terceiro cenário mantinha o candidato em segundo, mas sem chance de o líder das pesquisas vencer no primeiro turno. As estratégias mudaram significativamente: 20% dos consultores disseram que atacariam quase exclusivamente o primeiro colocado, 16% atacariam mais o primeiro, menos o segundo, 11% igualmente o primeiro e o terceiro e 31% não atacariam nenhum dos candidatos.

No quarto cenário, o candidato estava em segundo, mas o terceiro nas pesquisas ameaçava sua chance de ir para o segundo turno. Somente 2% disseram que atacariam quase exclusivamente o primeiro colocado e 6%, mais o primeiro, menos o terceiro. O alvo prioritário passou a ser o candidato que vinha ganhando apoio popular: cerca de 40% atacariam mais o terceiro, menos o primeiro, enquanto 23% priorizariam quase exclusivamente o terceiro. Ou seja, nesse cenário, o alvo tradicional deixa de ser o líder e se volta contra aquele que ameaça a sua posição na disputa de maneira mais direta. Os resultados resumidos se encontram no Quadro 2.

Quadro 2
Cenários eleitorais e alvos de ataques

Fonte: elaborado pelos autores.

O último cenário provocou os consultores a se imaginarem trabalhando para um candidato em terceiro nas pesquisas, mas com chance de ultrapassar o segundo. Conforme nossa expectativa inicial, a situação torna o candidato em segundo o alvo prioritário. 39% dos respondentes atacariam mais o segundo, menos o primeiro enquanto 18%, quase exclusivamente o segundo. Os dados sobre posição do candidato e decisão de atacar ou não no primeiro turno sugerem que, embora a maioria reconheça os riscos de produzir ataques na primeira fase da disputa, essa decisão pode mudar dependendo da posição do competidor nas intenções de voto.

Para testar de outra forma a relação entre as chances de vitória e o uso da propaganda negativa, foram apresentados novos cenários. A intenção foi observar o equilíbrio ideal entre reforçar os próprios atributos ou difamar os oponentes de acordo com a situação nas pesquisas (Quadro 3). Os estrategistas responderam qual dosagem de propaganda negativa adotariam em uma situação na qual seu candidato lidera as pesquisas, pode vencer com uma margem confortável em uma campanha que tem sido marcada pela falta de ataques entre os competidores. 79% afirmaram preferir uma campanha quase exclusivamente de propaganda positiva contra 21% que prefeririam maior parte positiva, e um pouco negativa.

Quadro 3
Cenários eleitorais e intensidade dos ataques

Fonte: elaborado pelos autores.

A situação muda se o candidato continua na liderança, mas o adversário inicia uma série de ataques que ameaçam as chances de vitória. 59% recomendariam uma estratégia com maior parte positiva, um pouco negativa e 31,9% prefeririam uma estratégia quase exclusivamente de propaganda positiva. Ou seja, embora a recomendação para candidatos que estejam em primeiro lugar seja não produzir ataques, isso muda quando há ameaça à vitória.

O terceiro cenário avaliou o que fazer quando ataques de adversários começam a minar as chances de vitória de um candidato que liderava as pesquisas e agora foi ultrapassado. Uma estratégia de comunicação metade positiva, metade negativa foi recomendada por 42%. A segunda estratégia preferida foi maior parte positiva, um pouco negativa, com 25%. Como podemos observar, mesmo diante de um quadro de perda de posição, fruto dos ataques, os profissionais preferem combinar estratégias positivas e negativas. O uso da propaganda negativa, embora reconhecido como legítimo e sempre no radar das campanhas, não é uma decisão aparentemente fácil, muito provavelmente pela falta de controle sobre efeitos reversos.

E para um candidato sem chances de vitória, isto é, com menos a perder se comparado aos líderes das pesquisas? Mesmo nessa situação, os consultores denotam bastante cautela no uso da propaganda negativa, havendo uma divisão entre aqueles que consideram o uso quase exclusivo da propaganda positiva, 31%, e aqueles que preferem uma estratégia metade positiva, metade negativa, 33%. Novamente, há uma preocupação com as possíveis perdas de uma campanha amplamente negativa.

O quinto e último cenário hipotético convidou os estrategistas a imaginarem que seu candidato está atrás nas pesquisas, mas a diferença não é tão grande e há chance de vitória. 53% disseram ser favoráveis a uma estratégia majoritariamente positiva. Os demais praticamente se dividiram entre as outras opções: 18% optaram pela alternativa quase exclusivamente positiva enquanto 20% escolheram a estratégia metade positiva, metade negativa.

Finalmente, buscamos avaliar a decisão de atacar segundo a posição ideológica dos competidores. Como dito, candidatos do mesmo campo ideológico enfrentam dilemas para críticas, seja por compartirem eleitorado parecido, pela necessidade de negociarem apoio eleitoral em um segundo turno ou pela necessidade de formarem uma coalização de governo no futuro.

Os estrategistas responderam o que fariam caso estivessem prestes a ir para o segundo turno, mas precisassem escolher entre atacar um candidato de centro, direita ou esquerda sendo o seu candidato um competidor com histórico de esquerda. Eles também foram informados que, independentemente da escolha, o ganho eleitoral imediato seria o mesmo. Conforme previsto, a posição ideológica no cenário de multipartidarismo importa. Para 49%, os ataques deveriam ser direcionados para um candidato de direita, enquanto 27% apontaram como alvo preferido um candidato de centro. 22% atacariam um candidato de esquerda.

Conclusão

Esta pesquisa procurou mapear a percepção de um grupo de consultores e estrategistas de campanha eleitoral no Brasil sobre os usos propaganda negativa. Para isso, aplicamos um survey a 109 profissionais de campanha em 2018. Para além dos achados identificados no levantamento, este estudo procurou preencher uma lacuna nos estudos sobre estratégias eleitorais, muitos deles focados na análise de conteúdo das mensagens. Defendemos que o mapeamento das percepções dos profissionais de campanha é um dado relevante para compreendermos os usos e aplicações da variável comunicacional em uma disputa eleitoral.

O primeiro bloco de dados da pesquisa procurou analisar aspectos gerais sobre o uso da propaganda negativa. O primeiro achado foi a ampla aprovação dos consultores ao uso de ataques como uma estratégia legítima dos candidatos. A despeito do discurso disseminado por marqueteiros com amplo acesso à imprensa, os profissionais que responderam ao questionário apresentaram respostas mais favoráveis à aplicação da campanha negativa: 81% reconhecem a legitimidade desse tipo de estratégia.

Embora tenham uma percepção favorável ao seu uso, não há muito consenso entre os consultores sobre o melhor horário, se de manhã ou à tarde, para realizar ataques. Há, no entanto, uma compreensão de que é melhor atacar no segundo turno que o primeiro. Isso porque, quando há muitos candidatos, os ataques podem não gerar os efeitos esperados por seu autor.

Conectados com as novas tecnologias da informação, os estrategistas declararam que as mídias sociais são a plataforma mais importante para realizar ataques aos adversários. Essa percepção pode ter relação com o alto poder de gerar engajamento dos eleitores nas mídias sociais, ou seja, a possibilidade de interagir com o conteúdo, compartilhar e expandir a visibilidade da mensagem eleitoral. A televisão, no entanto, ainda tem força e aparece como segundo veículo preferido, mas os estrategistas acreditam que spots são mais adequados para atacar que a propaganda transmitida no modelo tradicional de exibição em blocos.

Com relação ao conteúdo dos ataques, os consultores consideram que as mensagens devem focar mais na crítica a propostas apresentadas pelos adversários. 66% concordam ou concordam em parte que a propaganda negativa deve mirar nas propostas e não na imagem ou atributos pessoais dos competidores. O dado merece maior aprofundamento em pesquisas futuras, já que a literatura aponta um crescente uso da imagem dos candidatos nas campanhas eleitorais, e não o contrário.

O segundo bloco de dados da pesquisa procurou testar cenários eleitorais para identificar os alvos e a intensidade da propaganda negativa. Dados apontam que a posição do competidor nas pesquisas é um elemento importante para a tomada de decisão. Aqueles que as lideram tendem a usar menos ou não usar a propaganda negativa, mas essa percepção muda quando os candidatos estão em situação de desvantagem, isto é, não apresentam chances eleitorais ou começam a perder apoio entre os eleitores. A hipótese Duda Mendonça (“quem bate, perde”), portanto, não encontra respaldo entre os consultores políticos respondentes. O nexo causal de Mendonça, na verdade, parece ser invertido: quem perde, bate.

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Notas

1 Este artigo contou com recursos da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Os autores agradecem também a Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP).

Autor notes

Felipe Borba Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Professor adjunto e coordenador do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É coordenador do Grupo de Investigação Eleitoral (GIEL), bolsista do programa Jovem Cientista do Nosso Estado da Faperj e bolsista produtividade do CNPq (PQ-2). Tem interesse por temas como eleições, comunicação política e violência eleitoral.
Fábio Vasconcellos Doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ). Mestre em comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor adjunto do Departamento de Jornalismo da UERJ e da ESPM-RJ. É especialista em análise de dados e jornalismo de dados. Tem interesse de pesquisa e ensino por temas como democracia digital, comportamento eleitoral, opinião pública, teoria do jornalismo e jornalismo de dados.
Contribuição dos autores Felipe Borba foi responsável pela coordenação do projeto e obtenção de financiamento. Felipe Borba e Fábio Vasconcellos participaram ativamente da conceituação da pesquisa, construção metodológica, tratamento e análise de dados e escrita do manuscrito.
Editora responsável: Maria Ataide Malcher

Assistente editorial: Weverton Raiol

E-mail: felipe.borba10@gmail.comE-mail: fabio.vasconcellos10@gmail.com

Declaração de interesses

Conflito de interesse Os autores declaram que não há conflito de interesse.


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