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Ativismos juvenis urbanos brasileiros: questões raciais e de gênero

Activismos juveniles urbanos brasileños: cuestiones raciales y de género

Resumo

Enunciamos neste artigo as principais perspectivas de análise e as categorias chave que norteiam o projeto de pesquisa “Ativismos juvenis urbanos: questões estéticas, migratórias, raciais e de gênero”, conduzido pela equipe Brasil junto à Red Iberoamericana de Posgrados en Infancias y Juventudes (RedINJU) – rede internacional de investigação constituída pelo Grupo de Trabajo Infancias y Juventudes do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). Nesta primeira apresentação, que corresponde aos nove meses iniciais de nosso estudo, também são compartilhados resultados parciais referentes ao cotejamento reflexivo, contextual e conjuntural de dados empíricos atinentes a alguns dos recortes interseccionais que norteiam a aproximação com nossas/os/es sujeitas/os/es de investigação, a saber, a leitura crítica, qualitativa e situada de estatísticas (oficiais e independentes) sobre as juventudes urbanas brasileiras, no tocante a questões raciais e de gênero.

Palavras-chave
Ativismos; Juventudes urbanas; Interseccionalidade; Estética; Política

Resumen

Exponemos en este artículo las principales perspectivas de análisis y las categorías clave que guían el proyecto de investigación “Activismos Juveniles Urbanos: Cuestiones Estéticas, Migratorias, Raciales y de Género”, realizado por el equipo de Brasil con la Red Iberoamericana de Posgrados en Infancias y Juventudes (RedINJU), red internacional de investigación constituida por el Grupo de Trabajo Infancias y Juventudes del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO). En esta primera presentación, que corresponde a los nueve meses iniciales de nuestro estudio, también se comparten resultados parciales relacionados con la comparación reflexiva, contextual y coyuntural de los datos empíricos relacionados con algunos de los recortes interseccionales que guían la aproximación con nuestros participantes en la investigación, a saber, la lectura crítica, cualitativa y situada de las estadísticas (oficiales e independientes) sobre la juventud urbana brasileña, en lo que respecta a las cuestiones raciales y de género.

Palabras clave
Activismos; Juventud urbana; Interseccionalidad; Estética; Política

Abstract

In this article we state the main analysis perspectives and key categories that guide the research project Urban Youth Activisms: aesthetic, migratory, racial and gender issues. It was conducted by the Brazil team together with the Red Iberoamericana de Posgrados en Infancias y Juventudes (RedINJU): an international research network constituted by the WG CLACSO (Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales) Infancias y Juventudes. In this first presentation, which corresponds to the initial nine months of our study, partial results are also shared regarding the reflective, contextual and conjunctural comparison of empirical data concerning some of the intersectional aspects that guide the approach with our research subjects. They’re critical, qualitative and situated readings of statistics (official and independent) on Brazilian urban youth, which concern racial and gender issues.

Keywords
Activism; Urban youth; Intersectionality; Aesthetics; Politics

Introdução: pressupostos e escopo da pesquisa

O projeto de pesquisa “Ativismos juvenis urbanos: questões estéticas, migratórias, raciais e de gênero” faz parte da contribuição do Brasil à rede internacional de investigação (Red Iberoamericana de Posgrados en Infancias y Juventudes – RedINJU) constituída pelo GT Infancias y Juventudes do Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), do qual Silvia Borelli e Rose de Melo Rocha são fundadoras e os demais autores do artigo pesquisadores associados.

A pesquisa resulta de uma parceria entre dois grupos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): Imagens, metrópoles e culturas juvenis (PUC-SP) e Juvenália: questões estéticas, geracionais, raciais e de gênero na comunicação e no consumo (ESPM-SP). Em termos estruturais, estamos localizados no GT Infancias y juventudes: hegemonías, violencias y prácticas culturales y políticas de resistencia y re-existencia, do CLACSO. Reiteramos assim que nosso olhar para as juventudes ativistas organizadas em torno de coletivos nacionais e locais é coerente e aderente ao escopo analítico proposto para o eixo: reconhecemos as manifestações dos poderes hegemônicos, em suas institucionalidades e coações ilícitas, percebemos a ação de violências múltiplas sobre as existências juvenis, e atentamos para as práticas culturais e políticas por meio das quais as juventudes articulam e expressam modos de resistir e existir. Como indicado por Valenzuela (2009)VALENZUELA, J. M. El futuro ya fue: socioantropología de l@s jóvenes en la modernidad. Tijuana, Baja California, México: El Colegio de la Frontera Norte: Casa Juan Pablos, Centro Cultural, 2009., entendemos que resistências biopolíticas configuram-se no enfrentamento à gestão necropolítica do capital.

O escopo de nossa investigação volta-se a processos comunicacionais, audiovisuais, narrativos e políticos produzidos e mobilizados por coletivos e jovens ativistas vivendo na cidade de São Paulo, observando as linguagens e experiências estéticas a eles associadas e privilegiando práticas culturais e resistências frente a questões raciais e de gênero, especificamente em sua interseccionalidade. Será também considerada nesta investigação a presença de fluxos migratórios internos (entre bairros, cidades, estados e regiões do Brasil) e externos (entre países e nacionalidades) na configuração das práticas e expressões estético-políticas de nossas/os/es1 1 Utilizamos no artigo “as/os/es” como recurso de linguagem que inclui as expressões da neutralidade de gênero. sujeitas/os/es de estudo2 2 O debate sobre mobilidade e sobre fluxos migratórios será explorado em artigo específico. Interessa-nos problematizar as particularidades e os cruzamentos entre fluxos migratórios globais (APPADURAI, 2004; SANTOS, 2000), nacionais, regionais e locais (FERREIRA et al., 2010). .

A base teórica e o arcabouço epistêmico do projeto estão alinhados às perspectivas decoloniais e filiam-se à tradição de pesquisas latino-americanas sobre as juventudes que buscam auscultar narrativas autorais e processos autogestionários de ação político-cultural. Direcionamo-nos, nesse sentido, às formas de apresentação, reapresentação e presença protagonizadas por atores e atrizes juvenis, e menos às representações que sobre eles e elas são produzidas. Assumimos, também, como marco reflexivo as bibliografias que articulam estética, política e urbanidade, bem como aquelas produzidas por dissidências étnicas e de gênero latino-americanas, africanas e afro-caribenhas. Agregando repertórios da Antropologia e da Comunicação, a pesquisa adota um protocolo multimetodológico composto pela articulação sinérgica entre pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, mantendo-se espaços regulares de interlocução e produção entrFERNANDÉZ, A. M. Los cuerpos del deseo: potencias y acciones colectivas. Nómadas, n. 38, p. 12-29, 2013.e a equipe e os coletivos pesquisados3 3 Nossa base empírica está neste momento constituída pela presença pública de dois coletivos juvenis de São Paulo, um vinculado ao debate racial e de gênero, com alcance nacional e protagonizado por juventudes positivas, outro vinculado às questões migrantes e estéticas.

É importante destacar nesse marco introdutório que compreendemos os coletivos e as/os/es sujeitas/os/es que os compõem como observatórios privilegiados do modo por meio do qual juventudes urbanas brasileiras vêm construindo seu ativismo em um contexto de profunda instabilidade, precarização e acirramento político. Mantendo a linha de estudos que nos constitui enquanto equipe, as narrativas juvenis, de si e do mundo no qual se situam, são priorizadas em nossa escuta. A dimensão política e estética que emerge destas narrativas autobiográficas – tanto individuais quanto coletivas – coloca em contato três territórios centrais: as corporalidades, as cidades e as audiovisualidades.

Assumimos, com Cubides, Toscano e Valderrama (1998)CUBIDES, H.; TOSCANO, M. C. L.; VALDERRAMA, C. E. Viviendo a toda: jóvenes, territorios culturales y nuevas sensibilidades. Bogotá: Fundación Universidad Central, 1998., que o conceito de território seja pensado não apenas em suas materialidades geográficas, geolocalizadas e geopolíticas, mas entendendo que esses territórios são culturais, simbólicos e perpassados, cada vez mais, pelas interfaces e linguagens advindas de redes digitais e de tecnicidades. Assim, entendemos que é desde essa territorialidade expandida e multissituada, que as juventudes e seus coletivos acionam e produzem sensibilidades, sociabilidades e configuram o que Aguilera Ruiz (2014)AGUILERA RUIZ, O. Generaciones: movimientos juveniles, políticas de la identidad y disputas por la visibilidad en el Chile neoliberal. Buenos Aires: CLACSO, 2014. nomeia de epistemes próprias. Isto significa dizer que as juventudes ativistas narram a si mesmas, tomando para si a construção de sua gramática política e existencial.

Desse modo, as perspectivas de análise enunciadas (tratamento qualitativo dos dados quantitativos; cotejamento interseccional e transversal; relatos individuais; e narrativas juvenis autorais, considerados dados relevantes de pesquisa) nos levaram, nestes meses iniciais, a elaborar um mapa conceitual comungado, que mescla nossos aportes e preocupações reflexivas a aportes e preocupações êmicas. As categorias-chave – necropolítica, dissidência, ação coletiva, politicidade, subjetividades e corpos políticos, apropriação política de ferramentas comunicacionais em rede – aparecem não apenas como categorias diagnósticas, mas se aproximam das expressões encarnadas das/os/es sujeitas/os/es ativistas como recursos de enunciação do modo como têm enfrentado, com narrativas autorais encorpadas, os silenciamentos, assujeitamentos e violências cotidianos.

Em termos metodológicos, nossa produção intelectual prevê a interlocução e a produção coletiva da equipe, a horizontalidade da pesquisa e a realização de encontros de sistematização e intercâmbio integrativos. Como objetivo central, temos o mapeamento e problematização das percepções e concepções dessas e desses jovens sobre as subalternizações e vulnerabilidades vividas, bem como das perspectivas que encontram para enfrentar e resistir a tais condicionantes socioculturais. Dialogando com Néstor Perlongher, Fernández (2013, p. 15, tradução nossa)FERNANDÉZ, A. M. Los cuerpos del deseo: potencias y acciones colectivas. Nómadas, n. 38, p. 12-29, 2013. apresenta um pressuposto com o qual se alinha nossa pesquisa. Seguindo à proposta da autora, iremos “um passo além em relação às metodologias qualitativas que incorporam ‘as vozes’ dos atores sociais que investigam. Incorporamos também seus saberes, que são mais ricos e potentes que aqueles que a academia clássica, mesmo a mais democrática, pode supor”.

Juventudes brasileiras: violências, desigualdades, questões raciais e de gênero

Seguindo na contextualização de nossa proposta, apresentamos reflexões sobre as juventudes brasileiras associadas à interpretação de alguns dados macro relevantes à nossa contribuição, tal como está se constituindo. Essa apresentação das juventudes brasileiras nas últimas décadas, sob o prisma das violências sofridas e do cenário político-econômico, evidencia processos de vulnerabilização e exclusão enfrentados por setores juvenis, em especial em termos de questões raciais, migratórias e de gênero. Entendemos que esta problematização contextualiza o panorama acerca do debate sobre os ativismos urbanos juvenis acompanhados em nossa investigação.

A geração e consolidação das múltiplas desigualdades em contextos de globalização (APPADURAI, 2004APPADURAI, A. Dimensões culturais da globalização. Lisboa: Editorial Teorema, 2004.; SANTOS, 2000SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000.) estão ancoradas, entre outras, nas condições de subalternização vividas por segmentos inter e intrageracionais (crianças, adolescentes, jovens, idosos); por mulheres submetidas ao regime patriarcal e machista; por negras/os/es e indígenas, estigmatizadas/os/es e excluídas/os/es pelos diferentes racismos; por pessoas LGBTQIA+ segregadas e ameaçadas; por imigrantes e refugiadas/os/es, originárias/os/es dos múltiplos deslocamentos que atravessam os continentes; pelos habitantes das grandes cidades, que subsistem em conflito com as complexas urbanidades; e pelos residentes e ocupantes que vivem no confronto entre a metrópole planejada, higienizada, mercantilizada e os lugares/territórios apossados, a contrapelo, na vida cotidiana.

Um dos aspectos que se destaca no conjunto de indicadores sobre as juventudes no Brasil é a violência decorrente dos múltiplos racismos, transfobias, homofobias, feminicídios, juvenicídios, etnocídios e o assassinato de lideranças de movimentos sociais que enfrentam, ao revés, um modelo de sociedade que propõe a dissolução de políticas e conquistas alcançadas em projetos anteriores. Um instrumento de referência como, entre alguns outros, o Atlas da Violência (BRASIL, 2019; 2020) reitera, nas edições de 2019 e 2020, o aprofundamento das taxas de letalidade violenta intencional do país, bem como a incidência direta dessa letalidade junto às juventudes brasileiras, com diferentes matizes proporcionados por questões raciais, de classe social e de gênero.

Uma perspectiva sobre os ativismos

Ao se enunciar e anunciar publicamente, as/os/es ativistas e coletivos analisados acionam modos bastante específicos de articulação entre estética e política no enfrentamento às violências sofridas e na direção das perspectivas de vida desejadas. Temos trabalhado com o conceito de “subjetividade política encorpada” (DÍAZ GOMES; ALVARADO SALGADO, 2012DÍAZ GOMEZ, A.; ALVARADO SALGADO, S. V. Subjetividade política encorpada. Revista Colombiana de Educación, n. 63, p. 111-128, 2012.) para refletir sobre estas expressividades políticas. Em direção complementar, ativistas e coletivos afirmam que seus corpos são políticos, articulando desse escopo a luta contra as violências raciais e de gênero estruturais na sociedade brasileira.

É importante atentar, no caso brasileiro, ao que Chaia (2007)CHAIA, M. Artivismo – Política e Arte Hoje. Aurora, São Paulo, v. 1, p. 9-11, 2007. identifica como sendo dois dos principais marcos históricos da aproximação entre estética e engajamento político no país: o final dos anos 1960 e meados dos 1990. Em ambos os casos, segundo o autor, há uma intenção de reflexividade social, um esforço – individual ou coletivo – de ação direta e a preocupação com as alteridades, configurando uma “atitude frente à arte e à realidade circundante” (CHAIA, 2007CHAIA, M. Artivismo – Política e Arte Hoje. Aurora, São Paulo, v. 1, p. 9-11, 2007., p. 10) de característica não só contra-hegemônica, mas fundamentalmente heterotópica.

Considerar o estético um assunto público é um importante norteador do que aqui compreendemos como ativismo. Assim, ativismo se circunscreve a práticas, posturas e linguagens nas quais o engajamento é necessariamente um tema de resistência, dissidência ou dissenso. Segundo Rocha (2021, p. 17)ROCHA, R. M. (org.) Artivismos musicais de gênero: bandivas, travestis, gays, drags, trans, não-bináries. 1 ed. Salvador: Editora Devires, 2021.,

ativismos juvenis [...] ganham força nos anos 2000, em especial após os Fóruns Sociais Mundiais, os ocupas, as mobilizações secundaristas no Chile e no Brasil, as ações de coletivos locais, regionais, nacionais e mundiais, e em círculos mais específicos de práticas políticas juvenis apartidárias e transpartidárias. Posteriormente, nos anos 2010, notadamente quando do crescimento e consolidação das marchas juvenis, e na esteira de mobilizações ativistas que passam a se utilizar fortemente das redes sociais, o debate sobre gênero imprime politicidade e um forte marcador estético à expressão.

Abordando especificamente os ativismos das dissidências sexuais e de gênero, Colling (2018, p. 157)COLLING, L. A emergência dos artivismos das dissidências sexuais e de gêneros no Brasil da atualidade. Revista Sala Preta, v. 18, n. 1, p. 152-167, 2018. ressalta que

Obviamente, as relações entre arte, política e diversidade sexual e de gênero, em especial quando pensamos na história do feminismo, não são novas. As feministas, assim como outros movimentos sociais, tal qual o movimento negro e seu teatro, sempre perceberam que as artes e os produtos culturais em geral são potentes estratégias para produzir outras subjetividades capazes de atacar a misoginia, o sexismo e o racismo.

As narrativas políticas encorpadas dos ativistas urbanos constituem um acervo memoriográfico de passados, presentes e de utopias. A memória, aqui, aparece também como fruto de uma experiência encorpada, e que se dá no contexto da metrópole, dos rastros e palimpsestos urbanos, como proposto por Walter Benjamin em inúmeros de seus escritos, e, mais recentemente, atualizado por Martín-Barbero (2004)MARTÍN-BARBERO, J. Ofício de cartógrafo. Travessias latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: Loyola, 2004., quando enuncia as grandes transformações da percepção nas sociedades contemporâneas, perpassadas pela urbanidade e pelas tecnicidades. A metrópole, fundadora do sensorium moderno, demanda daqueles que nela transitam um novo e ampliado regime sensorial cuja percepção estética é afetada por regimes de imagens e de imaginários particulares.

Se em Benjamin vemos a potência contida nas audiovisualidades que nos interpelam pelos sentidos, é em Rancière (2009)RANCIÈRE, P. A partilha do sensível. São Paulo: Ed. 34, 2009. que identificamos uma imbricação última entre estética e política. Seguindo ao autor, compreendemos o sensível como um comum partilhado, sendo que, nesta partilha, a legitimidade e visibilidade das partes são distribuídas de maneira desigual. Portanto, ao propor novas divisões desse comum, a estética revela sua dimensão essencialmente política.

Desta forma também entendemos dar-se a relação destas juventudes ativistas com seus espaços de vivência e de produção de memórias. Em meio aos percursos por entre as paisagens urbanas da cidade, são capazes de perceber, no corpo, as particularidades de seu entorno, indo também ao encontro do que Canevacci (2008)CANEVACCI, M. Fetichismos visuais: corpos erópticos e metrópole comunicacional. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008. associa à gramática dos fragmentos simbólicos no espaço urbano, que convidam a serem decifrados e bricolados.

Pensamos, para além, a própria cidade como corpo que aciona memórias específicas sobre ela mesma e sobre seus habitantes, seja também em relação às situações ou aos fluxos que contém, que se alternam e variam amplamente no tempo/espaço. Desse modo, as relações desta cidade-corpo com questões traumáticas como a escravidão, ou com os ciclos de migrações, dinâmicos e variados, podem produzir inscrições localizadas.

Aqui, portanto, a categoria do corpo revela-se essencial. Os corpos de que falamos, que circulam nesta cidade-corpo, já trazem ao nascer também uma inscrição cultural, como propõe Butler (2019)BUTLER, J. Corpos que importam - os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: N-1 edições; Crocodilo Edições, 2019. e, portanto, ecoam memórias involuntárias. A experiência urbana, suas inscrições memoriográficas ativamente forjadas ou involuntariamente atribuídas, nos permite acionar de modo intenso os debates de gênero e os debates dos corpos racializados, enxergando o corpo como repositório de histórias, de memórias, de imaginários que constituem corpos. Nesse sentido, fica patente a dimensão performativa dos preconceitos. Diante dessas perspectivas, compreendemos, na observação dos corpos ativistas, que a luta é algo que implica os corpos e que se faz com o corpo.

Uma perspectiva sobre a interseccionalidade

Posteriormente à localização das juventudes brasileiras em relação às violências sofridas e aos contextos sócio-políticos das últimas décadas, que influenciam diretamente os ativismos estudados, cabe apresentar os cruzamentos e especificidades que nos conduzem a uma leitura interseccional de tais realidades. Davis (2016)DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. nomeia como interseccionalidade ideias e práticas que evidenciam o modo através do qual gênero, raça e classe atuam como sistemas de intersecção de poder, configurando-se para manutenção das formas de subalternização, mas também permitindo elucidar as possibilidades de emancipação e as estratégias de resistência.

Na ótica defendida pela autora, faz-se necessário uma não hierarquização das opressões, mas o entendimento de que elas se combinam e se entrecruzam (DAVIS, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.) vitimizando as populações mundiais. A interseccionalidade, portanto, não apenas marca as diferenças, mas propõe critérios comparativos e complexos que denunciam as estruturas de opressão observadas e reivindicam a justiça social aos sujeitos subalternizados. Assim, uma primeira e importante etapa de qualquer projeto analítico que tenha como objetivo um projeto interseccional é apontar os contextos e marcadores da desigualdade do grupo social observado, pois, a diferença, ao visibilizar a opressão estrutural, torna-se a materialidade que desnuda um sistema desigual (CARRERA, 2021CARRERA, F. Roleta interseccional: proposta metodológica para análise em comunicação. E-Compós, v.24, p.1-22, 2021.).

Nesta pesquisa, ao nos propormos a analisar os dados de violência sobre a juventude brasileira e seus cruzamentos interseccionais, partimos da premissa de que as lógicas capitalistas, o racismo estrutural (ALMEIDA, 2017ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen Livros, 2019.) e o cis-hetero-patricardo são indissociáveis e que a interpretação das estatísticas aqui trazidas perpassa esse entendimento. A interseccionalidade é, portanto, um aparato teórico e metodológico que guia nosso olhar; um operador analítico fundamental para as perspectivas e planejamentos de um porvir.

O debate interseccional se propõe a resgatar vozes de sujeitas/os/es historicamente silenciados e a visibilizar como alguns grupos sociais (mulheres negras, população LGBTQIA+, jovens periféricos e populações indígenas) se tornam mais expostos às estruturas de violência. No tocante à relação entre juventude e desigualdade racial no Brasil, constata-se que 75,5% das vítimas de homicídios, em 2017, foram indivíduos negros, segundo dados do Atlas da Violência (BRASIL, 2019BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Fórum Brasileiro de Segurança Pública (org.). Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019 . Acesso em 13 set. 2020.
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/d...
), publicado em 2019. O levantamento ainda observa que ao comparar um período de dez anos (2007-2017) houve um aumento da letalidade racial no país. Enquanto a taxa de assassinatos de negros cresceu 33,1%, a de não negros apresentou um pequeno crescimento de 3,3%.

Apesar de a maior parte das vítimas dos assassinatos serem homens, quando realizamos o recorte de gênero a partir do levantamento, nota-se que a desigualdade racial persiste. Verifica-se que a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 4,5% entre 2007 e 2017, por outro lado, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. As disparidades também podem ser vistas quando verificamos a proporção de mulheres negras entre as vítimas da violência letal: 66% de todas as mulheres assassinadas no país em 2017. Um crescimento muito superior em comparação com as mulheres não negras. Contudo, cabe ressaltar que dados específicos sobre feminicídios relatam a predominância de morte de mulheres brancas, o que pode estar associado à ausência de registros (subnotificações, ausência de notificação devido a condições de vulnerabilidade) dos dados de mulheres negras.

Os dados apresentados pelo Atlas da Violência acerca da desigualdade racial reforçam o levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)4 4 Dados referentes ao Dossiê sobre assassinatos e violência contra pessoas trans em 2019. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em 10 de outubro de 2020. acerca dos assassinatos cometidos contra travestis e transexuais. De acordo com o dossiê, o perfil médio das pessoas transexuais assassinadas no Brasil, em 2019, é negro e jovem. A observação permite evidenciar que 67% das vítimas sobrevivem da prostituição, reiterando o índice de que travestis e transexuais negras têm menor acesso a escolaridade, ao mercado formal de trabalho e são maioria na prostituição de rua. Cerca de 0,02% das mulheres trans e travestis estão na universidade, 72% não possuem o Ensino Médio e apenas 4% estão em empregos formais.

Mbembe (2018)MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2018. evidencia o quanto essa lógica, que desumaniza certos corpos, acarreta uma gestão da vida e da morte, ditando aqueles que podem viver e os que devem morrer. Os efeitos do que o autor nomeia como práticas necropolíticas aprofundam as condições de vulnerabilidade das juventudes marginalizadas nos contextos urbanos. Mbembe (2017)MBEMBE, A. A era do humanismo está terminando. Revista IHU Online, 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/eventos/564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando. Acesso em: 8 out. 2020.
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afirma que a atual conjuntura devastadora do capitalismo neoliberal acentua as desigualdades, produzindo cada vez mais indivíduos descartáveis, desempregados, refugiados e expostos à morte. Nesse ínterim, os conflitos sociais, cada vez mais, tomaram a forma do que ele intitula paixões mortais, fundamentadas em questões como racismo, sexismo, homofobia, xenofobia etc.

A racialização das relações e práticas sociais apontadas por Mbembe (2018)MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 edições, 2018. ocasiona uma série de disparidades, que, no Brasil, se sobressaem, por exemplo, nas assimetrias entre brancos e negros em todas as instâncias: acesso à saúde, emprego, educação, renda, entre outras. Mulheres negras têm menor acesso à educação e estão inseridas em posições menos qualificadas no mercado de trabalho, destacando-se pela elevada concentração no emprego doméstico; têm menor expectativa de vida em relação às mulheres brancas; há uma alta taxa de analfabetismo e evasão escolar entre jovens negros em comparação com crianças e adolescentes brancos; nota-se a escassez da representação negra em espaços de poder ocupando cargos de liderança no campo político e em espaços de visibilidade como telejornais, novelas e séries. Esses, dentre outros indicadores já trazidos em nossa reflexão, reforçam o lugar de subalternização imposta a corpos pretos.

Para Almeida (2017)ALMEIDA, S. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen Livros, 2019., os mecanismos associados ao racismo estrutural estão vinculados a processos discriminatórios que derivam do período colonial e escravocrata, que sempre privilegiou a existência e o poder atribuído a certos corpos e grupos em detrimento de outros. Tais lógicas, segundo ele, seguem se perpetuando a partir de práticas institucionais, culturais, históricas e interpessoais e tem como propósito naturalizar a associação do lugar do negro à subalternidade.

Tais indicadores de desigualdade e dinâmicas de opressão podem ser associadas ao que Kilomba (2019)KILOMBA, G. Memórias da plantação. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. caracteriza como projetos de silenciamento. A pensadora argumenta que é preciso manter a alteridade emudecida para garantir que o discurso excludente se consolide, sem a interferência de narrativas dissidentes, legitimando, assim, estruturas violentas contra grupos subalternizados.

Ao aproximar estas reflexões ao campo dos estudos da Comunicação, Carrera (2021)CARRERA, F. Roleta interseccional: proposta metodológica para análise em comunicação. E-Compós, v.24, p.1-22, 2021. reconhece o conceito de interseccionalidade como uma ferramenta metodológica de grande valia, pois, enxerga nos ambientes interacionais, nas relações de sociabilidade e nas práticas comunicativas, lugares simbólicos para debates acerca das matrizes de opressão e dinâmicas de discriminação e (in)visibilidade. Para a autora, o foco de observação precisa estar, portanto, não nas intersecções que compõem os sujeitos, mas na capacidade de identificar como esses cruzamentos são mobilizados pelos sujeitos e interlocutores na construção de seus enunciados.

Carrera (2021)CARRERA, F. Roleta interseccional: proposta metodológica para análise em comunicação. E-Compós, v.24, p.1-22, 2021. reconhece que os ambientes de sociabilidades, mediados ou não por tecnicidades, são espaços sujeitos a reproduzir dinâmicas de opressão interseccionais. Principalmente porque neles se constroem culturalmente os sentidos marginalizantes sobre sujeitos subalternizados. Partindo deste âmbito, as narrativas, os discursos e as audiovisualidades frutos das práticas comunicacionais podem ser considerados como expressões materializadas de tensionamentos socioculturais (ROCHA; SILVA; PEREIRA, 2015ROCHA, R. M.; SILVA, J.; PEREIRA, S. Imaginários de uma outra diáspora: consumo, urbanidade e acontecimentos pós-periféricos. Galáxia, n. 30, 2015.) e configuram-se como produção simbólica discursiva relevante capaz de permitir reflexões e análises sobre dinâmicas interseccionais.

Em suma, os contextos de desigualdade aqui levantados, atrelados aos aspectos teórico-metodológicos elencados, constituem-se como fundamentos de suma importância ao guiarem o processo analítico desta pesquisa em torno do entendimento do campo da Comunicação como artifício para as lutas por igualdade social (CARRERA, 2021CARRERA, F. Roleta interseccional: proposta metodológica para análise em comunicação. E-Compós, v.24, p.1-22, 2021.). Tem-se na interseccionalidade uma ferramenta metodológica capaz de direcionar a construção das perguntas de nossa investigação, descartando observações binárias, mas visando entender os contextos e sujeitos “em sua heterogeneidade e completude” (CARRERA, 2021CARRERA, F. Roleta interseccional: proposta metodológica para análise em comunicação. E-Compós, v.24, p.1-22, 2021., p. 11).

Uma leitura interseccional da violência contra as juventudes LGBTQIA+

Tendo por referência os pressupostos interseccionais acima apresentados, propomos neste tópico uma leitura qualitativa de alguns levantamentos estatísticos relevantes das violências cometidas contra a população LGBTQIA+ no Brasil5 5 Nesta etapa inicial da pesquisa, realizada durante o ano de 2020, foi feito pela nossa equipe o levantamento e cotejamento de dados já existentes, que, juntamente com os operadores conceituais elencados, servirão de base para as análises dos dados empíricos originais. . Os dados específicos em relação a estas populações não nos são apresentados por órgãos oficiais do governo em quaisquer de suas esferas, sendo necessário, portanto, que se busquem alternativas para que estas informações possam ser encontradas. Nesse sentido, contamos com o importante trabalho realizado pelo terceiro setor, notadamente por organizações como a ANTRA e o Grupo Gay da Bahia (GGB), que se ocupam em concentrar esforços de coletas de dados a partir de múltiplas fontes, como notas jornalísticas, documentos, denúncias e relatos, dos casos de violência e morte contra esta população.

O relatório “Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil” de 2019, realizado pelo GGB, identifica, desde 2000, um total de 4.809 óbitos em virtude da violência contra estas populações, com uma curva sempre crescente do número anual de mortes, à exceção de redução mais significativa nos anos de 2006, 2013 e 2019. Em relação ao decréscimo desse último ano, é preciso ressaltar o papel do Supremo Tribunal Federal ao equiparar o crime de homofobia àquele do racismo no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26.

Quanto ao perfil pautado pela especificidade de orientação sexual, 52,89% dos casos compilados dizem respeito à população gay, seguidos da população de travestis (27,05%), de lésbicas (9,73%), transexuais (8,81%) e bissexuais (1,52%). A maior parte das vítimas figura na faixa etária entre 15 e 34 anos (44,68% do total de mortes), o que aponta para uma acentuada vulnerabilidade especificamente das juventudes. Quanto à dimensão racial, 37,08% das mortes estão concentradas nas cores preta e parda, contra 36,78% de brancos, evidenciando-se a importância de uma leitura interseccional desses dados, informada conjuntamente por questões de gênero e raça.

Traça ainda o relatório uma relação entre violência e machismo, com base em resultados obtidos pelo IBGE em uma pesquisa acerca de falas machistas, constatando-se a maior frequência de discursos de preconceito nas regiões Centro-Oeste e Norte (GGB, 2020GGB. Grupo Gay da Bahia. Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil – 2019: Relatório do Grupo Gay da Bahia. 2020. Disponível em: https://grupogaydabahia.com/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/. Acesso em 12 jun. 2020.
https://grupogaydabahia.com/relatorios-a...
), e ressaltando ainda a ligação apontada no relato de Araújo (2020)ARAÚJO, M. No Ceará, machismo das facções criminosas mata meninas e mulheres sem dó. 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/08/no-ceara-machismo-das-faccoes-mata-as-mulheres-sem-do.htm. Acesso em: 13 jun. 2020.
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/...
entre machismo e facções criminosas, que teriam sido responsáveis por crimes com requinte de crueldade contra as populações jovens, pobres e periféricas em grandes regiões metropolitanas. O machismo e a heteronormatividade aparecem também nas justificativas dadas pelos criminosos sobre as motivações do assassinato (GGB, 2020GGB. Grupo Gay da Bahia. Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil – 2019: Relatório do Grupo Gay da Bahia. 2020. Disponível em: https://grupogaydabahia.com/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/. Acesso em 12 jun. 2020.
https://grupogaydabahia.com/relatorios-a...
).

O aplicativo Todxs, que possibilita aos usuários a realização de denúncias geolocalizadas de violências sofridas pelas populações LGBTQIA+, registra em seu mapeamento e análise das denúncias que “54% são referentes à orientação sexual da vítima, 30,4% à LGBTIfobia não-específica, 11,8% se relacionam à identidade de gênero, 2,5% à expressão de gênero e 0,6% advém de uma combinação entre identidade de gênero e expressão de gênero” (METRO, 2019METRO. Relatório sobre violência contra LGBTs reporta: maioria das vítimas não faz boletim de ocorrência. 22 maio 2019, Disponível em: https://www.metrojornal.com.br/foco/2019/05/22/relatorio-violencia-lgbt-boletim.html. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://www.metrojornal.com.br/foco/2019...
). Quanto ao conteúdo das denúncias,

A violência falada e a humilhação (quando a violência tem a intenção de diminuir publicamente a pessoa ou negar sua identidade, atingindo-a de forma mais profunda) somam mais da metade das denúncias recebidas, respectivamente 33,3% e 18,4%. As ocorrências de violência física e de proibição, em que as pessoas LGBTI+ têm seus direitos cerceados, como o direito à integridade física, ir e vir e liberdade de expressão (já que não podem manifestar livremente seus gêneros e suas sexualidades), representam juntas 17,9%. A categoria “discriminação” apresenta 12,4%, enquanto as demais (escrita, assédio, simbólica, sexual etc.) somam 18%.

(METRO, 2019METRO. Relatório sobre violência contra LGBTs reporta: maioria das vítimas não faz boletim de ocorrência. 22 maio 2019, Disponível em: https://www.metrojornal.com.br/foco/2019/05/22/relatorio-violencia-lgbt-boletim.html. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://www.metrojornal.com.br/foco/2019...
).

Baseados nesses dados, e como também estabelece o relatório do GGB, entendemos que a violência contra a população LGBTQIA+ “é difusa e esconde diferentes nuances da homotransfobia estrutural” (GGB, 2020GGB. Grupo Gay da Bahia. Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil – 2019: Relatório do Grupo Gay da Bahia. 2020. Disponível em: https://grupogaydabahia.com/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/. Acesso em 12 jun. 2020.
https://grupogaydabahia.com/relatorios-a...
, p. 38), tendo, por vezes, elementos nitidamente relacionados ao ódio aberto e declarado, mas, por outras vezes, forte embasamento nas situações estruturais de vulnerabilidade às quais estão condenadas estas populações, em relação às quais há repetidas negações de direitos fundamentais e de possibilidades de defesa e proteção de suas vidas. Nesse mesmo sentido, o Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras realizado pela ANTRA em 2019 aponta que 99% das pessoas LGBTQIA+ participantes afirmaram não se sentirem seguras no país (BENEVIDES; SAYONARA, 2019BENEVIDES, B. G; SAYONARA, N. B. N. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão popular, ANTRA, IBTE, 2020. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
), reflexo do que denominam LGBTIfobia estrutural.

No que diz respeito especificamente à população de transexuais e travestis, o dossiê aponta que, em 2019, o Brasil se manteve como país onde há mais mortes de população trans no mundo (com 124 assassinatos registrados). Desses, 59,2% das vítimas tinham entre 15 e 29 anos, esclarecendo ainda que “os índices mais altos de assassinato da população trans está diretamente relacionado as questões etárias, onde quanto mais jovem, mais suscetíveis a violência e a mortandade. Ao contrário daquelas pessoas que ultrapassam a estimativa de vida, veem a possibilidade de ser assassinada/o diminuir ao longo de suas vidas” (BENEVIDES; SAYONARA, 2019BENEVIDES, B. G; SAYONARA, N. B. N. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão popular, ANTRA, IBTE, 2020. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
, p. 31). Um total de 97,7% dos assassinatos foram contra pessoas trans do gênero feminino (121 casos), e, quanto ao recorte racial, 82% das vítimas foram pessoas pretas e pardas; a perspectiva de gênero e raça verifica-se, portanto, fundamental na análise interseccional das juventudes trans.

Outro ponto de convergência nos dados coletados é a perseguição física e simbólica. Soma-se, no caso das pessoas trans, ao machismo e ao sexismo da heteronormatividade ainda a exclusão familiar, que leva à expulsão das pessoas trans de seus lares na idade média de 13 anos (BENEVIDES; SAYONARA, 2019BENEVIDES, B. G; SAYONARA, N. B. N. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão popular, ANTRA, IBTE, 2020. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
), e também que, majoritariamente, travestis e transexuais são “assassinadas em contextos de centros urbanos, zonas de prostituição e nas ruas quase sempre escuras, reafirmando os efeitos do Êxodo Travesti dentro e fora do país como medida emergencial de sobrevivência” (BENEVIDES; SAYONARA, 2019BENEVIDES, B. G; SAYONARA, N. B. N. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão popular, ANTRA, IBTE, 2020. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
https://antrabrasil.files.wordpress.com/...
, p. 23).

Coletivo Loka de Efavirenz: alguns apontamentos

Com a intenção de acrescentar a esta discussão alguns apontamentos iniciais sobre os dados empíricos observados até o momento na pesquisa, colocamos aqui uma primeira apresentação e análise de um dos grupos ativistas estudados, o Coletivo Loka de Efavirenz (Loka).

Atuando desde julho de 2016, o foco de ação do coletivo é o debate em torno de temáticas que envolvam a necessidade de se pensar políticas públicas de saúde direcionadas às pessoas vivendo com HIV/AIDS. E, ainda, que essas políticas públicas sejam adequadas e compatíveis com as necessidades e a realidade brasileira.

Loka conta com participantes de diferentes segmentos sociais, como artistas, teóricos, militantes etc., e com ações em diferentes regiões, contando com ativistas em três estados brasileiros. A inspiração que batiza o coletivo faz alusão ao fármaco “Efavirenz” utilizado comumente como parte da terapia antirretroviral de indivíduos vivendo com HIV/AIDS.

Ainda não possuem uma sede física, mas demonstram interesse em futuramente ter um local para ampliar suas formas de atuação. Sua organização e articulação se dá predominantemente em espaços virtuais, utilizando-se de plataformas de redes sociais como Facebook, YouTube e Instagram. Esses ambientes funcionam como lugares de discussão e como forma de visibilizar denúncias de violações sofridas por pessoas que convivem com o HIV/AIDS. No texto de apresentação em seu perfil no Facebook6 6 Perfil Loka de Efavirenz no Facebook: https://www.facebook.com/LokadeEfavirenz. Acesso em: 28 mar. 2022. , faz cruzamentos interseccionais ao compreender o HIV e a AIDS como dispositivos de controle de corpos que intensificam violências estruturais contra grupos já historicamente oprimidos e vítimas de questões como o machismo, o racismo, a homofobia, a transfobia etc.

Em suas manifestações, também em sites de redes sociais, Loka de Efavirenz aponta, em tom de denúncia, que a condução, por vezes, arbitrária de políticas públicas de saúde para populações vivendo com HIV/AIDS corrobora a manutenção de estigmas em torno da população soropositiva, muitas vezes já marginalizada por se enquadrar em grupos socialmente oprimidos e/ou em vulnerabilidade social. Como exemplos das dificuldades enfrentadas citadas pelo Loka de Efavirenz estão as campanhas de prevenção, por vezes, construídas de maneira a reforçar preconceitos, além das precariedades nas condições de acesso a tratamentos médicos que não atendem aos diferentes cenários e conjunturas sociais brasileiras, segundo o coletivo.

A partir do cruzamento entre os dados apresentados sobre o Coletivo Loka de Efavirenz e a reflexão desenvolvida ao longo do artigo, podemos tecer algumas reflexões. Primeiramente, observamos que as realidades das populações vivendo com HIV/AIDS no Brasil e as materialidades comunicacionais que derivam de seus discursos e narrativas demandam ser analisadas a partir de metodologias de base interseccional, que abranjam os recortes de gênero, raça, classe, sexualidade, região, dentre outros marcadores sociais, presentes no mapeamento destes grupos.

Ressalta-se também que as narrativas audiovisíveis percebidas em Loka de Efavirenz surgem como formas de romper a invisibilidade e o silenciamento de grupos historicamente oprimidos. Estas, por sua vez, podem ser compreendidas como estratégias de enfrentamento, de quem visa lutar contra sistemas e estruturas que cruzam opressões. Para tanto, o coletivo se utiliza das tecnicidades que lhe permite fazer-se visível, ecoando existências dissensuais.

Considerações finais

Ao analisar as condições de emergência dos ativismos juvenis urbanos como categoria analítica e sociológica relevante para se pensar ações culturais e políticas de resistência protagonizadas por jovens e coletivos juvenis fizemos recortes intencionais. Assim, privilegiamos, ao mapear dados estatísticos, tratar de modo qualitativo as violências que vitimizam diretamente setores juvenis brasileiros, incidindo seletivamente junto a minorias raciais, sexuais e de gênero e afetando indiscriminadamente a mulheres e populações LGBTQIA+.

Estas escolhas situam-se em termos de aspectos contextuais inequívocos e estão em sinergia com a agenda política e o engajamento dos ativistas e coletivos que vimos acompanhando. Suas demandas pelo direito ao corpo dialogam diretamente com a agenda pública que se refere ao direito à cidade. Justamente aí se faz evidente a articulação que elas e eles propõem entre questões raciais e de gênero. Ou seja, tratar e produzir dados estatísticos não reverbera, per se, em leituras interseccionais e transversais. O esforço analítico que fazemos enquanto equipe de pesquisa é uma opção implicada. Sem ela, entendemos ser difícil aferir o modo como as situações de precarização, vulnerabilização e estigmatização são concreta e subjetivamente rechaçadas por práticas ativistas de resistência racial, étnica, estética e de gênero.

Analisando as questões de gênero transversais às fontes oficiais disponíveis, percebemos claramente que muitas pesquisas institucionais tendem a reproduzir binarismos de gênero. Não há neutralidade na abordagem; nota-se a reprodução de perspectivas patriarcais cis e heteronormativas em fontes governamentais federais, estatais e municipais. Não por acaso, dissidências de gênero e sexualidade são frequentemente invisibilizadas; as práticas policiais e judiciais caracterizam-se pela falta de rigor na investigação, na identificação e prisão dos suspeitos de crimes contra travestis; a caracterização e a contabilização das violências de gênero cometidas contra mulheres depende de instrumentos legais de denúncia e registro atualizados, o que com frequência não ocorre; fontes referentes à população LGBTQIA+ são produzidas por ONGs e associações da própria comunidade; não se privilegia nas fontes oficiais o cotejamento interseccional (classe, raça, etnia, gênero, geração, regionalidade, territorialidade); a ausência de registros pode se dever a condições sociais, legais e simbólicas de vulnerabilização e relacionar-se à precariedade na implementação de medidas protetivas.

Perspectivamos a necropolítica estrutural ao identificar as principais linhas de resistência e enfrentamento às violências raciais e de gênero por parte dos ativistas. Uma vez que a subnotificação, a deslegitimação e o silenciamento são dados constantes na realidade brasileira, as ações comunitárias de suporte, denúncia e proteção e a constituição de redes de apoio tem sido um recurso tão importante quanto a luta por políticas públicas e medidas legais de caracterização, responsabilização e punição às violências classistas, racistas, misóginas e LGBTfóbicas.

  • 1
    Utilizamos no artigo “as/os/es” como recurso de linguagem que inclui as expressões da neutralidade de gênero.
  • 2
    O debate sobre mobilidade e sobre fluxos migratórios será explorado em artigo específico. Interessa-nos problematizar as particularidades e os cruzamentos entre fluxos migratórios globais (APPADURAI, 2004APPADURAI, A. Dimensões culturais da globalização. Lisboa: Editorial Teorema, 2004.; SANTOS, 2000SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000.), nacionais, regionais e locais (FERREIRA et al., 2010FERREIRA, A. P. et al. A experiência migrante: entre deslocamentos e reconstruções. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.).
  • 3
    Nossa base empírica está neste momento constituída pela presença pública de dois coletivos juvenis de São Paulo, um vinculado ao debate racial e de gênero, com alcance nacional e protagonizado por juventudes positivas, outro vinculado às questões migrantes e estéticas.
  • 4
    Dados referentes ao Dossiê sobre assassinatos e violência contra pessoas trans em 2019. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf. Acesso em 10 de outubro de 2020.
  • 5
    Nesta etapa inicial da pesquisa, realizada durante o ano de 2020, foi feito pela nossa equipe o levantamento e cotejamento de dados já existentes, que, juntamente com os operadores conceituais elencados, servirão de base para as análises dos dados empíricos originais.
  • 6
    Perfil Loka de Efavirenz no Facebook: https://www.facebook.com/LokadeEfavirenz. Acesso em: 28 mar. 2022.

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Editado por

Editora responsável: Maria Ataide Malcher
Assistente editorial: Weverton Raiol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2021
  • Aceito
    07 Mar 2022
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