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O WhatsApp e a Plataformização no Brasil: uma descrição densa dos agentes articulados nas práticas de controle mediadas pela plataforma
WhatsApp y la Plataformizacíon en Brasil: una descripción densa de agentes articulados en prácticas de control mediadas por la plataforma
WhatsApp and the Platformization in Brazil: a dense description of agents articulated in control practices mediated by the platform
Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. 46, e2023136, 2023
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Artigos


Recepção: 25 Abril 2021

Aprovação: 29 Outubro 2023

DOI: https://doi.org/10.1590/1809-58442023136pt

Resumo: Este artigo propõe-se a descrever o sistema de controle estruturado a partir do uso do WhatsApp no Brasil, localizando as relações entre estratégias de influência do debate público executadas por agentes nacionais e as estratégias de mercado de dados e modulação algorítmica da Meta Platforms Inc., empresa de tecnologia dona da plataforma. Partindo do conceito de plataformização e de uma abordagem analítica influenciada pela Teoria do Ator-Rede, o WhatsApp é posicionado na análise como um membro sociotécnico não-humano de uma rede de relações que envolve objetivos econômicos e políticos de atores humanos, nivelando ambos em importância e entendendo que a inserção da plataforma modifica profundamente as práticas e formas de organização social no país. O objetivo é entender as condições conjunturais que fazem o WhatsApp ser um importante elemento na vida dos brasileiros e qual o papel do modelo de mercado da Meta para as técnicas de controle que emergem com esse uso.

Palavras-chave: WhatsApp, Plataformização, Dataficação, Algorítmos, Dataísmo.

Resumen: Este artículo busca describir el sistema de control estructurado en el uso de WhatsApp en Brasil, ubicando las relaciones entre las estrategias de influencia del debate público que realizan los agentes nacionales y el mercado de datos y las estrategias de modulación algorítmica de Meta Platforms Inc., empresa de tecnología que posee la plataforma. Basado en el concepto de plataformizacíon y un enfoque analítico influenciado por la Teoría del Actor-Red, WhatsApp se posiciona en el análisis como un miembro socio-técnico no humano de una red de relaciones que involucra objetivos económicos y políticos de actores humanos, nivelando ambos en importancia y entendiendo que la inserción de la plataforma cambia profundamente las prácticas y formas de organización social en el país. El objetivo es comprender las condiciones coyunturales que hacen de WhatsApp un elemento importante en la vida de los brasileños y cuál es el papel del modelo de mercado de Meta para las técnicas de control que surgen con este uso.

Palabras clave: WhatsApp, Plataformización, Dataficación, Algoritmos, Control.

Abstract: This article aims to describe the structured control system based on the use of WhatsApp in Brazil, locating the relationships between influence strategies of the public debate carried out by national agents and the data market and algorithmic modulation strategies of Meta Plataforms Inc., a company of technology that owns the platform. Starting from the concept of platformization and an analytical approach influenced by the Actor-Network Theory, WhatsApp is positioned in the analysis as a non-human sociotechnical member of a relationships network that involves economic and political objectives of human actors, leveling both in importance and understanding that the insertion of the platform profoundly changes the practices and forms of social organization in the country. The goal is to understand the conjectural conditions that make WhatsApp an important element in the lives of Brazilian people and what is Meta’s market model role for the control techniques that emerge with this use.

Keywords: WhatsApp, Plataformization, Datafication, Algorithms, Dataísm.

Introdução

A comunicação mediada por plataformas de redes sociais se tornou um tema importante para analisar a realidade política e cultural no mundo contemporâneo uma vez que essas plataformas estão cada vez mais presentes nas diversas instâncias de organização e administração da vida cotidiana.

José Van Dijck, Thomas Poell e David Nieborg (2020) utilizam o termo “plataformização” para caracterizar essa constante ampliação do papel das plataformas nas relações atuais e as transformações sociais que esse processo implica. Segundo os autores, o conceito descreve “a penetração de infraestruturas, processos econômicos e estruturas governamentais de plataformas em diferentes setores econômicos e esferas da vida. [Concebendo] esse processo como a reorganização de práticas e imaginações culturais em torno de plataformas” (VAN DIJCK, POELL e NIEBORG, 2020, p. 5). Esse regime de reorganização das relações sociais por meio da mediação de plataformas e as consequentes dinâmicas de poder que dele resultam estão ligados ao monopólio do mercado de tecnologias digitais nas mãos de poucos conglomerados e ao modelo de negócio aplicado no desenvolvimento dessas tecnologias, baseado na venda de dados pessoais de usuários e algoritmos de sugestão de conteúdo publicitário. Como dito por Couldry e Mejias (2019, p. 18), o processo de plataformização estabelece um mundo onde “novos tipos de poderes corporativos, com acesso privilegiado a correntes de dados extraídos dos fluxos da vida, podem ativar um botão metafórico […] que reconfigura a vida humana, contribuindo continuamente para a coleta de dados e, portanto, potencialmente, para a geração de lucro” (tradução nossa).

Nesse sentido, gigantes corporações tecnológicas como a META ou o Google se convertem em agentes significativos no controle e organização dos fluxos de informação, tornando-se, consequentemente, agentes de poder político. O WhatsApp, uma das plataformas inseridas nesse sistema de mercado monopolizado, tem tido um impacto considerável nos processos de organização social no Brasil. O aplicativo é hoje um dos mais importantes na formação do debate público, como demonstra os diversos eventos de alcance e impacto nacional que tiveram a plataforma como principal meio informacional, tal qual a greve dos caminhoneiros1 e a eleição para presidência da república no Brasil, ambas ocorridas em 2018.

Reconhecendo o impacto social da comunicação mediada por plataformas digitais e sua relação com a estratégia de mercado das empresas de tecnologia que as desenvolvem, e observando a importância particular do WhatsApp no Brasil, esse artigo busca localizar e delinear esse processo de plataformização da vida de brasileiros por meio do aplicativo.

A intenção do estudo será fazer uma descrição densa dos elementos que conectam as funcionalidades técnicas de uso do WhatsApp, a estratégia de mercado vinculada à política de dados da META Platforms Inc. (2023)2, e episódios mercadológicos ou políticos envolvendo a plataforma que tiveram um impacto considerável no país. Dessa forma, pretende-se esclarecer quais são as características conjunturais do uso do WhatsApp no Brasil que fazem com que a plataforma seja um importante instrumento na vida dos brasileiros e qual o impacto e consequência do modelo de mercado da META para as técnicas de controle que emergem com esse uso.

A análise terá como influência a teoria do Ator-rede (LATOUR, 2012), posicionando o WhatsApp como um membro sociotécnico não-humano de uma rede de relações que envolve objetivos econômicos, problemáticas sociais e demandas políticas de atores humanos, nivelando ambos em importância para estruturação das relações. Parte-se da premissa que o universo comunicacional mediado por plataformas vai além da lógica simplista de instrumentalização das tecnologias digitais, se constituindo como um elemento complexo que articula diversas instâncias de decisões e intenções políticas. Como dito por Latour (2012, p. 280), “os meandros pelos quais a maioria dos ingredientes da ação interagem são traçados pela multiplicação, arregimentação, implicação e concentração de atores não humanos.” É essa proposição da abordagem que será utilizada no presente estudo.

Dessa forma, o texto será estruturado da seguinte maneira: primeiro, será descrito o surgimento e inserção do WhatsApp no mercado de dados digitais mundiais por meio de sua compra pela Facebook Inc., empresa que se tornaria a atual META Platforms, Inc. (2023), seu papel no plano mercadológico da empresa e quais foram as consequências para o desenvolvimento técnico e as mudanças na política de dados do aplicativo. Logo após, serão traçadas as dinâmicas de uso da plataforma no Brasil, a emergência de estratégias de influência e controle surgidas com essa inserção e como elas se relacionam com o modelo de mercado da META. Depois, será analisada a reação da META diante desses processos de influência do debate público por meio das adaptações técnicas feitas no aplicativo depois dessas práticas serem disseminadas. Por fim, será apresentada uma reflexão final sobre as relações de poder específicas que emergem a partir da inserção do WhatsApp no Brasil, articulando as diversas instâncias de análises sociotécnicas feitas durante o texto.

WhatsApp e o Mercado dos Dados

O WhatsApp é um aplicativo de mensagens instantâneas capaz de compartilhar conteúdo multimidiático como mensagens de texto, imagens, vídeos, links e gravações de voz; além de possibilitar a ligação por chamadas de voz. A comunicação pode ocorrer diretamente entre dois usuários ou entre grupos de usuários agregados por meio da função de criação de grupos do aplicativo. Os usuários pertencentes ao mesmo grupo podem compartilhar conteúdos que serão visualizados por todos os outros integrantes, assim como também visualizar todas as mensagens enviadas. O WhatsApp utiliza a lista de contatos do celular para estabelecer sua rede de comunicação. Dessa forma, só é possível iniciar uma conversa com as pessoas da lista de contatos do celular em que o aplicativo está instalado.

A plataforma foi criada em 2009 e teve um rápido crescimento, chamando a atenção de Mark Zuckerberg, dono do Facebook Inc., gigante conglomerado de mídia e tecnologia social que passaria a se chamar Meta Platforms, Inc. no ano de 2022, nome atual da empresa. Nos anos anteriores, o conglomerado já havia adquirido plataformas que tinham potencial de se tornarem importantes no mercado3. Em 2014, a Facebook Inc. adquire o aplicativo em uma transação bilionária. A estratégia de lucro inicial do WhatsApp era baseada em uma taxa anual de US$ 0,99; após a aquisição, no entanto, a tarifa logo foi descartada, já que o aplicativo passou a fazer parte de uma rede corporativa com uma estratégia de mercado muito mais efetiva do que taxas e cobranças de uso, em que a negação do direito à privacidade e o controle modular da subjetividade são as bases de obtenção de lucro.

Esse modelo é baseado na chamada microeconomia de interceptação de dados pessoais (SILVEIRA, 2017), no qual o mercado e o marketing são capazes de capturar e capitalizar as relações mediadas por sites de redes sociais. Essa captura acontece através da quantificação em dados das interações nessas plataformas, por meio de tecnologias algorítmicas e do Big Data, capazes de analisar, categorizar e relacionar esses dados capturados e, dessa forma, instrumentalizar o comportamento humano em prol do consumo, oferecendo o conteúdo publicitário mais pertinente aos usuários, no momento de maior vulnerabilidade à propaganda. Esse processo possibilitou que as corporações tecnológicas capitalizem de forma violenta e predatória a vida humana, subjugando-a totalmente à lógica do mercado e incorporando os mais variados aspectos da sociabilidade nesse sistema que transforma em dados para análise algorítmica as interações ocorridas em plataformas digitais. Essa subjugação ocorre principalmente por intermédio da modulação algorítmica das atenções e dos afetos dos usuários, que faz com que os discursos organizados por esses algoritmos sejam “controlados e vistos, principalmente, por e para quem obedece aos critérios constituintes das políticas de interação desses espaços virtuais” (SILVEIRA, 2019, p. 22).

Zuboff (2020) também trata dos processos de controle do comportamento nas plataformas. Para tanto, a autora chama de “poder instrumentário” a capacidade dos algoritmos moldarem a conduta dos usuários. Esse controle se dá pela arquitetura computacional baseada em sistemas de ação e recompensa. Uma vez que há uma enorme quantidade e variedades de dados sobre o comportamento de pessoas na plataforma, a poderosa capacidade de processamento e cálculo do Big Data permite que os algoritmos analisem a provável reação de um usuário para um conteúdo ao qual é exposto. Dessa forma, esses algoritmos podem sugerir uma postagem ao usuário, tendo como parte dos cálculos que o compõe sua provável reação.

O WhatsApp, no entanto, não poderia ser inserido da mesma forma que as outras redes sociais da Facebook Inc. nesse sistema de marketing algorítmico. Isso porque o aplicativo não oferecia uma funcionalidade de visualização de publicidade em meio ao conteúdo compartilhado pelos usuários. Além disso, diferente das outras redes sociais, o WhatsApp não coleta dados de uso diretamente do conteúdo produzido pelos usuários no aplicativo. Desde 2016, após críticas de entidades especializadas em segurança digital sobre o sistema de segurança do aplicativo, a empresa passou a desenvolver sua criptografia de ponta-a-ponta. Assim, as mensagens passam a contar com um processo de codificação ao serem enviadas e decodificação ao chegar em seu destino, fazendo com que apenas as pessoas envolvidas na conversa tenham acesso ao conteúdo enviado.

Essa aparente contradição, em que um aplicativo que não oferece publicidade e ao qual não se pode ter acesso ao conteúdo produzido por seus usuários é inserido em um sistema de mercado baseado na coleta de dados e no oferecimento de publicidade, resulta em uma adaptação do papel do WhatsApp nos planos mercadológicos da Facebook Inc. O aplicativo é, dessa forma, planejado mercadologicamente a partir do holding, o controle centralizado e relacional das plataformas que pertencem à Facebook Inc. e dos dados produzidos a partir delas. Ele passa, assim, a ser encarado como uma ferramenta para adaptar, melhorar e expandir os sistemas algoritmos de sugestão de conteúdo publicitário das outras redes sociais da empresa. Mesmo não coletando dados diretamente do conteúdo das mensagens enviadas, passa-se a coletar os números de celular dos usuários, além de metadados, dados periféricos que servem para auxiliar os sistemas de categorização e análise relacional de outros dados. Em 2016, a política de compartilhamento de dados da plataforma é atualizada e no texto oficial da empresa explicando as mudanças é dito qual o tipo de coleta é feita e como eles passam a compartilhar informações com as outras redes sociais da empresa.

Na seção do documento chamada “Informações fornecidas por você”, é descrito que, além de seu próprio número, para usar o aplicativo o usuário também fornece “os números de telefone de sua agenda de contatos regularmente, tanto de usuários de nossos serviços quanto de outros contatos”; dessa forma, mesmo os contatos da agenda que não são usuários do WhatsApp são cooptados pela empresa. Mais à frente, na seção “Dados coletados automaticamente”, entre algumas informações vagas de coleta, tal qual a indicação de que há a captura de informações sobre “como nossos serviços são usados, como é sua interação com outros usuários durante a utilização de nossos serviços, etc.”, sem explicitar exatamente quais são esses dados de uso, há também descrições que indicam alguns metadados coletados pela plataforma, como os arquivos de registros, registros e relatórios de diagnóstico, falhas, website e desempenho, modelo de hardware, informações do sistema operacional, informações de rede móvel, informações de localização, entre outros. Mais à frente, na seção “Como usamos informação”, é evidenciado a utilização dos metadados coletados no WhatsApp para o sistema de marketing segmentado das outras plataformas da Facebook Inc. É dito no texto que o “Facebook e outras empresas do mesmo grupo também podem usar dados do WhatsApp para fazer sugestões (por exemplo, de amigos, de contatos ou de conteúdo interessante) e mostrar ofertas e anúncios relevantes” (WHATSAPP, 2016, tradução nossa).

Há quatro camadas no mercado de dados das plataformas: a primeira de coleta e armazenamento, a segunda para processamento e mineração, a terceira de análise e formação de amostras, e a quarta de modulação (SILVEIRA, 2017). A partir da descrição apresentada, compreende-se que o papel do WhatsApp na estratégia de mercado da META se dê, principalmente, a partir das duas primeiras camadas, na coleta, armazenamento e mineração dos dados, tendo como objetivo aprimorar e potencializar a análise e modulação de outras redes sociais. No entanto, para encarar o papel do WhatsApp em um ambiente conjectural de uma ampla variedade de atores sociais que se articulam em torno da plataforma, aperfeiçoando práticas de poder e influência, é necessário ir além do desenvolvimento operacional da ferramenta e de sua relação com os objetivos econômicos dos conglomerados tecnológicos para caracterizar as relações de poder que emergem a partir de seu uso. É também preciso demonstrar como esses elementos se transversalizam com interesses e práticas de atores locais, estruturando novas formas de intervir e controlar a vida dos usuários inseridos nessa localidade. Na próxima seção tentaremos demonstrar quais as especificidades locais que fazem com que o WhatsApp seja uma ferramenta tão importante em processos de controle e influência política no Brasil.

O WhatsApp no Brasil e as Redes de Poder

No texto “Datafication, dataism and dataveillance: Big Data between scientific paradigm and ideology” (2014) José Van Dijck apresenta dois conceitos centrais para se compreender as relações de poder manifestadas por meio do uso das plataformas digitais. O primeiro é o de dataficação (tradução nossa). Segundo a autora, o sistema de lucro das corporações tecnológicas baseado na coleta e análise de dados fez com que se estabelecesse um paradigma técnico que busca a constante ampliação do modelo de produção de dados resultantes das interações entre usuários de plataformas sociais. Essa condição faz com que toda adaptação e aprimoramento técnico das plataformas tenha como objetivo o aumento da variedade e volume dos dados criados, subjugando totalmente a vida como uma instância de racionalização dataficada para fins puramente econômicos e instaurando a vigilância como regra na comunicação plataformizada.

O segundo conceito, diretamente relacionado com o primeiro, é o de dataísmo (tradução nossa). Para as corporações, não basta apenas coletar os dados e controlar os sistemas algorítmicos de sugestão de conteúdo, é necessário, igualmente, ser institucionalmente legitimado como uma autoridade capaz de produzir conhecimento sobre as pessoas que utilizam suas plataformas. Dessa forma, as empresas de tecnologia precisam se posicionar como agentes capazes conhecer a natureza das relações humanas nas plataformas, a ponto de prever qual comportamento seus usuários terão ao visualizar determinado conteúdo. Para isso, é necessário disseminar e convencer os agentes econômicos que a concentração de uma enorme quantidade de dados e o poder algorítmico de analisá-los são equivalentes à capacidade de conhecer a substancialidade do agir humano. No entanto, como aponta Van Dijck (2014), o dado é, antes de qualquer coisa, uma categoria interpretativa e arbitrária, resultado de uma racionalização e adequação da realidade à determinada base epistêmica que, no caso das plataformas de redes sócias, é a que busca adequar toda e qualquer forma de sociabilidade para lógica do marketing e do mercado. É a crença generalizada e acrítica no poder de conhecimento dos dados, sem levar em consideração esse viés mercadológico, que Van Dijck (2014) chama de dataísmo.

A problemática central é que esse processo de legitimação epistemológica dos dados criados nas plataformas se estende para instâncias políticas de organização humana mais amplas do que as do mercado de dados. Van Dijck (2014) demonstra como outras dimensões institucionalizadas da vida social estão aderindo ao valor de conhecimento dataficado das corporações tecnológicas, principalmente a partir da academia, por meio de pesquisas sobre o comportamento humano que utilizam acriticamente os dados da plataforma, e os governos de Estado, que utilizam os dados como meio de conhecimento para basear ações governamentais.

Aqui, têm-se dois movimentos importantes para compreender o processo da plataformização e suas relações de poder características. Primeiro, a constante incorporação da vida à lógica dataficada mediante a inserção de plataformas de redes sociais como mediadoras dos mais variados âmbitos de sociabilidade. Segundo, a rearticulação de agentes de poder e influência a partir dessa nova realidade de mediações comunicacionais por meio da adaptação de suas práticas ao sistema mercadológico das corporações. Esses movimentos não acontecem por regras universais e agentes e instituições previamente determinados, mesmo que Van Dijck tenha focado seu estudo na academia e no governo de Estado. As plataformas de redes sociais, como tecnologias reprodutoras da lógica do mercado sobre a vida, estão atreladas a determinações econômicas e políticas ligadas diretamente com conjecturas e especificidades locais que a influenciam. É, portanto, acompanhando esses movimentos e, ao mesmo tempo, enquadrando as especificidades econômicas e políticas locais que se pode alcançar uma análise das singularidades da plataformização no Brasil, entendendo os motivos que fazem com que o WhatsApp seja uma ferramenta tão importante nesse processo.

O primeiro apontamento a ser feito a fim de estabelecer essas conexões é que o Brasil nos últimos anos tem perpassado diversas crises econômicas e aumentado constantemente seus números referentes ao nível de desemprego médio do país, ampliando, dessa forma, os níveis de desigualdade. Roberta Teodorico Ferreira da Silva et al. (2017, p. 9) explica, ao tratar do assunto, que:

A sociedade civil vivencia um amplo descontrole no campo das Políticas Sociais, através do crescente aumento das diversas formas de precarização do emprego e do desemprego com saídas para o empreendedorismo, centralização dos gastos públicos em programas altamente seletivos contra a pobreza, e redução dos gastos sociais e aumento das desigualdades sociais dentre outras mazelas oriundas do atual estágio do capitalismo.

Os indicadores oficiais reafirmam esse processo de deterioração social que o país vive. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, mostra que os números da desigualdade econômica eram os piores desde 2012, apresentando aumento constante desde 2015 (IBGE, 2020). A desigualdade social é um aspecto conjectural essencial para refletir e analisar o processo de plataformização. A capacidade de acessar a internet está diretamente ligada ao equipamento utilizado e a infraestrutura de conexão que se tem disponível. Por sua vez, esses fatores estão atrelados ao poder aquisitivo de quem consegue arcar com os custos desse equipamento e serviço de internet.

É nesse cenário que os dispositivos móveis e o WhatsApp se tornam ferramentas tão importantes. Celulares são aparelhos de acesso mais facilitado para classes econômicas com menor poder aquisitivo por serem mais baratos que computadores. Segundo pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), aparelhos celulares são usados por 99% das pessoas conectadas no país, sendo que 58% da população acessa a internet apenas pelo celular. Entre as classes D e E, o acesso exclusivo por aparelhos celulares chega a 85% das pessoas (CETIC, 2020). O WhatsApp se tornou uma plataforma particularmente importante por ser um software que exige pouco poder de processamento do hardware e pouco espaço de armazenamento na memória do dispositivo, capaz de funcionar em quase todo tipo de celular, mesmo nos mais baratos.

A infraestrutura de acesso à internet também é um fator que potencializa o uso do WhatsApp no país. A venda de pacotes de rede digital móvel por empresas de telefonia é uma parcela significativa do consumo de internet dos brasileiros. Em 2018, 80,2% das pessoas possuíam conexão por banda larga móvel, 3G ou 4G, enquanto o percentual da internet fixa era de 75,9% (CETIC, 2019). Essas empresas, dentro das estratégias de venda de seus pacotes de internet móvel, oferecem o acesso privilegiado a determinadas plataformas, não cobrando o tráfego de dados móveis no uso desses aplicativos. A prática é conhecida como política do zero rating e é resultado da substituição feita pelos consumidores do uso de serviços taxados pelas operadoras de telefonia pelo uso de serviços grátis de plataformas digitais. Dessa forma, as operadoras garantem que o gasto com a internet, necessário para o acesso a essas plataformas, seja com os serviços de internet oferecidos por elas. O WhatsApp, um aplicativo que oferece de forma gratuita os principais serviços de telefonia móvel, como o envio de mensagem e a ligação por chamada de voz, é uma das plataformas que mais se beneficia da política de zero rating, sendo oferecido gratuitamente em 93% dos planos desse tipo (CETIC, 2020).

Esses fatores ajudam a explicar o amplo alcance do WhatsApp entre a população brasileira, abrangendo diversas faixas etárias e classes sociais, tendo particular importância para os grupos de menor poder aquisitivo (CETIC, 2020)4. A concentração de um grande número de brasileiros utilizando o aplicativo e a expansiva dataficação das relações na sociedade permeada por tecnologias digitais, posicionando as plataformas como um meio importante de administração e controle do fluxo de informações, fez com que atores nacionais enxergassem na ferramenta uma oportunidade de agir sobre o comportamento dessas pessoas em prol de seus objetivos. Um dos primeiros exemplos significativos do uso político-estratégico dessa rede comunicacional foi durante as eleições para a presidência do Brasil de 2018.

Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente ao final desse processo eleitoral, no entanto, há enormes indícios de que essa vitória se deu em grande medida devido a uma estratégia de disseminação massificada de conteúdo calunioso sobre adversários políticos em redes de grupos de WhatsApp. Em reportagem escrita para o jornal Folha de S. Paulo em outubro de 2018, Patrícia Campos de Mello (2019) revela um esquema milionário de compra de disparos de notícias falsas feitas por robôs que beneficiaram o, até então, candidato Bolsonaro.

Segundo a reportagem, empresários apoiadores da chapa eleitoral contrataram empresas de marketing digital para realizar disparos de mensagens segmentadas por perfil de renda, região e nível de apoio ao candidato. A estratégia se baseava no recurso de lista de transmissão da ferramenta, que permite criar listas com os contatos do celular e mandar a mesma mensagem para todos eles de uma só vez. Bolsonaro foi eleito reafirmando muito dos discursos negacionistas e caluniosos que circulavam pela sua rede de apoio na plataforma.

O episódio demonstra a capacidade de poder sobre os usuários que as articulações sociais em torno da comunicação mediada pelo WhatsApp possuem e como grupos políticos locais se valem dessa capacidade a partir de determinada conjuntura social. Como dito, a lógica dominante do mercado de dados das plataformas estabelece o papel das corporações tecnológicas como mediadoras da submissão completa da vida dos usuários para os clientes que contratam seu sistema de marketing. O fato desse sistema subjugar a vida de forma desregulada, sem nenhuma outra limitação que não as políticas de dados desenvolvidas pelas próprias corporações, faz com que os aspectos políticos de cada localidade em que essas plataformas são amplamente usadas sejam apagados.

As disputas locais e as estruturas de poder específicas são irrelevantes para aqueles que administram esses conglomerados e desenvolvem essas tecnologias, mesmo que esses elementos influenciem diretamente o processo de plataformização dessa localidade, fazendo emergir novas técnicas de controle sobre a população de usuários. No caso da eleição de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil em 2018, se pode dizer que, em um momento em que o país enfrentava um enorme desgaste político das instituições democráticas e da classe política nacional desde o impeachment sofrido por Dilma Rousseff em 2016, a capacidade de influência desregulamentada a nível populacional oferecida pelo WhatsApp foi um prato cheio para grupos políticos se valerem desse desgaste e atuarem à margem dessas instituições, por meio de práticas criminosas de influência da opinião pública. A soma entre a opacidade do funcionamento do aplicativo e a deterioração institucional no país garantiu a impunidade desse crime e a eleição de Bolsonaro.

É nessa rede conjectural que une condições econômicas que possibilitam que a plataformização se materialize como elemento importante nas relações de certa comunidade e a rearticulação de agentes políticos e econômicos desse local diante dessa inserção que se pode analisar as técnicas específicas de poder características desse processo nas realidades distintas, como o caso do WhatsApp no Brasil e seu uso para influenciar o debate público. No entanto, também é necessário colocar em perspectiva as ações dos conglomerados por meio da análise do aprimoramento técnico dessas plataformas e, dessa forma, evidenciar as intenções e valores associados nessa técnica diante das condições de controle já materializadas pelo processo de plataformização. Na próxima seção, esboçamos essa análise a partir da descrição e estudo de novas funções desenvolvidas nos últimos anos pela empresa para aprimorar o uso mercadológico da plataforma.

WhatsApp Business e o poder adaptado ao mercado

Esse duplo movimento da plataformização que fez o WhatsApp se disseminar no Brasil como dispositivo de produção de dados para a lógica de marketing segmentado das plataformas e, ao mesmo tempo, estabeleceu um processo de rearticulação de agentes nacionais interessados na capacidade de controle por meio da disseminação de informação utilizando a ferramenta, obrigou a META (2023), antiga Facebook Inc., a combater e, simultaneamente, se apropriar desse sistema.

A legitimação das plataformas como agentes de condução e organização social necessita de um certo esforço de relação das empresas que as criam com pilares institucionais que fundamentam a democracia liberal dos Estados nações, como demonstrou Van Dijck (2014) nas conexões formadas entre corporações tecnológicas, governos e universidades. Assim, o combate a possíveis práticas que ameacem essa grade institucional se torna um problema inevitável para essas empresas que buscam legitimar o uso econômico dos dados. No entanto, a condição de subjugação completa da vida imposta pelo sistema de dataficação das plataformas, base de todo o sistema de lucro do mercado de dados e, portanto, necessário para as empresas, é o caráter técnico que possibilitou que essas práticas de controle ocorram. Assim, as corporações são obrigadas a atuar nas margens das instituições, aparentemente defendendo os valores democráticos ao mesmo tempo que, por meio da opacidade do funcionamento técnico dos sistemas algoritmos e do discurso de neutralidade associado com esse funcionamento, buscam aumentar a condição de exploração das relações humanas nessas plataformas em prol do lucro, potencializando, consequentemente, a capacidade de controle de terceiros interessados na cooptação do debate público e das afetividades dos usuários.

No caso do WhatsApp, essa atuação dupla resultou em um esforço por parte da META de classificar as práticas de disseminação massificada de conteúdo que partissem de membros civis da sociedade como potencialmente nocivas para a democracia e, ao mesmo tempo, adequar essas práticas para que pudessem ser usadas pela iniciativa privada e por agentes econômicos, como um uso legítimo e não perigoso. Dessa forma, em 2019, após os episódios de envio massificado de notícias falsas para fins eleitorais no Brasil, a plataforma restringiu o número possível de reenvios de mensagens para usuários comuns de 250 reenvios para apenas 5. E em 2020, a empresa limitou ainda mais esse número, possibilitando que a mensagem seja reencaminhada uma única vez.

Em contrapartida, nos últimos anos, a META tem desenvolvido funcionalidades que adaptam o sistema de envio massificado e automatizado de mensagens para fins mercadológicos. O WhatsApp Business, função especial da plataforma lançada em 2018 que oferece ferramentas para auxiliar a venda e divulgação de produtos por médias e grandes empresas, é um exemplo dessa adaptação técnica.

Por meio do WhatsApp Business, o aplicativo possibilita a criação de um perfil profissional e verificado de sua empresa, com endereço, descrição de perfil, endereço de e-mail e site. Também é possível criar e acessar no perfil um catálogo com os produtos à venda e seus valores. O que mais contribui para a instrumentalização da estratégia de disparos de mensagens são os recursos de automatização de mensagens, programação de chatbots5 para responder automaticamente perguntas frequentes que são feitas ao perfil e o agendamento de disparos de mensagens com base em dados oferecidos pela plataforma sobre as interações com os clientes, como o tempo médio de atendimento, horário de pico, principais motivos de contato, etc. A META não cobra diretamente pelo uso do WhatsApp Business, mas exige que as empresas usem um provedor pago de soluções de negócios (BSP - Business Solution Provider) para acessar a API6 da aplicação. Os BSPs são parceiros autorizados e oficiais do WhatsApp que fornecessem acesso à API do WhatsApp Business, oferecendo diversos serviços como consultoria e suporte técnico, integração com sistemas de gerenciamento de relacionamentos com clientes (CRM), automação de fluxos de trabalho, análise de dados e gerenciamento de campanhas de marketing. O preço da contratação de uma BSP varia de acordo com a amplitude e qualidade do gerenciamento das funcionalidades do WhatsApp Business oferecido por ela. Apesar do WhatsApp Business estabelecer limites para o envio automático de mensagens feito pelas empresas, no entanto, mesmo com esses limites, dependendo do BSP contratado e como ele consegue desenhar uma estratégia de marketing relacionando os objetivos da empresa que o contratou e as políticas de uso do WhatsApp Business, esse envio automatizado pode chegar em milhares de mensagens em um único dia7.

O principal fator de assertividade dessa estratégia é a relação entre a poderosa capacidade de disseminação de mensagens do WhatsApp, o oferecimento de metadados de uso pela plataforma aos clientes que contratam a função do WhatsApp Business e o cruzamento desses metadados com fontes de dados obtidas de outras maneiras. É através desse sistema que mistura uma política de dados local com o sistema de dataficação abrangente das plataformas que é possível reproduzir no WhatsApp os processos de modulação da subjetividade característicos do mercado de dados da META.

Um exemplo que ilustra bem a técnica é a utilização da ferramenta pela Via Varejo, uma das maiores empresas de comércio varejista do Brasil, dona de duas das maiores marcas de vendas do país, a Casas Bahia e o Ponto Frio. Em 2020 a empresa criou o projeto “Me Chama no Zap”, uma estratégia de atendimento e compra de produtos pelo WhatsApp. O cliente precisa se inscrever para participar, preenchendo o número de seu CPF no site oficial do projeto. Por meio dessa informação, é possível acessar outros dados de consumo dos clientes dentro dos bancos de dados da empresa, como outras compras que ele fez na loja, horário do dia em que as compras foram feitas, modos de pagamento preferenciais, entre outros. Assim, através do cruzamento desses dados com outros oferecidos pelo API do WhatsApp Business, a empresa consegue disparar mensagens contendo promoções que o perfil traçado para o usuário tenha mais chance de interagir, no momento em que ele está mais disposto a tratar com esse tipo de conteúdo (YUGE, 2020). A técnica é parecida com o modelo de sugestão de conteúdo por algoritmos de redes sociais como o Facebook ou o Instagram.

Em janeiro de 2021, a então Facebook Inc. anunciou uma nova política de coleta e compartilhamento de dados no WhatsApp que, além de ampliar a variedade de metadados coletados, também evidencia ainda mais as relações entre as práticas de controle feitas por agentes de poder local e os objetivos econômicos do conglomerado. Segundo as novas diretrizes, além de tornar obrigatória o compartilhamento que a política de dados de 2016 definia como opcional, a nova política também permite que esses dados sejam utilizados para ajudar o usuário a concluir compras e transações que são mediadas pela plataforma, aumentando a assistência dada para as empresas que utilizam o WhatsApp Business. Em um pequeno artigo lançado na página oficial do WhatsApp explicando as mudanças, há um trecho que diz que “Para garantir pronto atendimento, [...] empresas podem usar o Facebook como provedor de tecnologia para gerenciar algumas respostas [pelo WhatsApp]” (WHATSAPP, 2021). Ou seja, permitindo que os dados sejam usados de forma ainda mais ampla e efetiva por agentes econômicos locais. A mudança foi recebida com forte resistência pela sociedade civil e por entidades especializadas em segurança de dados digitais, fazendo com que a Facebook Inc. adiasse as mudanças para maio de 2021, quando foram implementadas.

Nota-se que a estrutura de controle de usuários do WhatsApp é aceitável para a META desde que possibilite a melhoria do sistema de marketing que dá lucro para a empresa. É difícil, no entanto, definir que há uma separação entre as práticas de controle que visam a venda de produtos e as que visam a desinformação como objetivo político, uma vez que o conhecimento das especificidades da rede sociotécnica é inviabilizado pelo caráter opaco da tecnologia e pelo universalismo da estratégia global de lucro da empresa. É ainda mais problemático atrelar essas práticas de controle para fins políticos apenas às iniciativas individuais de usuários enquanto isenta o papel da iniciativa privada. A estratégia de disseminação de notícias falsas feita pela equipe eleitoral de Bolsonaro contou com uma participação decisiva de empresas de marketing digital contratadas para executar os disparos das mensagens e empresários simpáticos ao candidato que financiaram a contratação dessas empresas (MELO, 2018). As adaptações técnicas feitas para dar mais controle para as empresas sobre a comunicação mediada pela plataforma podem potencializar a capacidade de influência que a classe empresarial tem sobre a população e, dessa forma, intensificar a capacidade de fazer valer suas predileções políticas e sua influência sobre o debate público.

Ao condicionar a vida mediada por plataformas digitais à submissão e modulação constante e ao não relevar em seu horizonte de adaptações técnicas e em sua política de dados as características conjunturais das localidades onde a plataforma é inserida, a empresa institui o potencial de controle como um elemento para ação dos agentes locais interessados nessas vidas, sejam eles econômicos ou políticos.

Conclusão

Neste artigo buscamos tratar sobre as condições que permitiram que o WhatsApp se tornasse uma ferramenta central para o processo de plataformização no Brasil, assim como um meio de influência e controle social tão significativo para as disputas políticas locais. Para tanto, conectamos de forma analítica as conjunturas econômicas e políticas do país, junto ao sistema de mercado dos dados digitais da Meta, antiga Facebook Inc., por meio do uso e das estratégias de influência política e econômica desenvolvidas a partir da inserção da ferramenta em território nacional.

Nota-se por meio das análises apresentadas que a conjectura econômica do país e as características técnicas específicas da ferramenta fez o WhatsApp se materializar como uma plataforma particularmente importante para os processos de plataformização da realidade digital brasileira. Também é possível constatar que as estratégias mercadológicas de coleta de dados digitais e organização algorítmica de conteúdo publicitário da Meta estão diretamente relacionadas com a rearticulação de agentes de poder e o surgimento de estratégias de influência sobre o debate público por meio do aplicativo. Isso porque ambas as práticas têm como condição primeira a subjugação completa das relações mediadas pelas plataformas digitais à formas de intervenção e vigilância constante e à atuação nas margens das instituições de fiscalização e controle do Estado. A META (2023), na medida em que necessita de legitimação institucional para concretizar sua estratégia de marketing algorítmico, estabelece um processo de apropriação das estratégias de controle associadas à plataforma para a lógica do mercado, sob a premissa de que suas bases de atuação seriam mais éticas do que as da sociedade civil. No entanto, nos próprios eventos políticos em que a ferramenta foi utilizada para influenciar os processos de tomada de decisão da população houve uma participação significativa de agentes econômicos e da iniciativa privada, evidenciando como essa ideia de neutralidade política dos agentes do mercado é falaciosa.

Portanto, para lidar com essa realidade em que o WhatsApp reconfigura de forma significativa os processos de agenciamento coletivo no país, se faz necessário ter no horizonte a complexa rede de conexões que une o modelo de mercado das corporações tecnológicas, as especificidades técnicas da plataforma e as condições e demandas locais relacionadas ao tema digital. É partindo desses três pilares que sustentam as estruturas de controle das tecnologias digitais que se pode desenvolver ações civis e governamentais para lidar com a questão.

Referências

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CETIC - Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. TIC Domicílios: pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros 2019. São Paulo: CETIC, 2020. Disponível em: https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20201123121817/tic_dom_2019_livro_eletronico.pdf. Acesso em: 25 fev. 2019.

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ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020.

Notas

1 Paralisação de caminhoneiros autônomos de alcance nacional iniciada no dia 21 de maio de 2018 durante o governo de Michel Temer, terminando oficialmente no dia 30 de maio de 2018, com a intervenção de forças do Exército Brasileiro e Polícia Rodoviária Federal para desbloquear as rodovias.
2 META Platforms, Inc. é um conglomerado estadunidense de tecnologia e mídia social com sede em Menlo Park. Anteriormente, a empresa se chamava Facebook Inc., mas foi renomeada em janeiro de 2022 para abranger os objetivos mercadológicos e tecnológicos da corporação que vão muito além das redes sociais. O conglomerado é detentor de diversas plataformas sociais, como o Facebook, o Messenger, o Instagram e o WhatsApp, que é analisado no presente estudo.
3 Em 2012, a empresa já havia adquirido a rede social Instagram e, no mesmo ano, também tentou, sem sucesso, comprar o Snapchat.
4 A pesquisa do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação indica que o uso das classes de menor poder aquisitivo se concentra em funções possíveis de serem feitas em dispositivos de baixa conexão e de pouco poder de processamento, como o envio de mensagens por aplicativo. Esse uso abrange 46% nas classes D e E e 67% na classe C.
5 Aplicação de software concebido para simular ações humanas repetidas vezes de maneira padrão em aplicativos e/ou ferramentas de mensagens.
6 API é a sigla para “Application Programming Interface”, que em português significa “Interface de Programação de Aplicativos”. Trata-se de um conjunto de regras, protocolos e ferramentas que permitem que diferentes softwares se comuniquem e interajam entre si de maneira padronizada. Uma API define como os componentes de software devem se comunicar e quais operações podem ser executadas. Ela permite que desenvolvedores criem programas e serviços que possam ser utilizados por outros desenvolvedores sem que eles precisem conhecer os detalhes internos da implementação.
7 Informações retiradas em textos oficiais disponibilizados na plataforma informacional sobre a API do WhatsApp Bussiness no dia 5 de maio de 2023. Os textos podem ser acessados pela página: https://developers.facebook.com/docs/whatsapp/cloud-api/get-started.

Autor notes

Marcelo Aparecido de Faria Júnior

Possui graduação no curso de Bacharelado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC); área de concentração: Comunicação, Cultura Digital e Tecnologia. Integrante do Laboratório de Tecnologias Livres (LabLivre). Atualmente desenvolve pesquisa sobre as implicações sociopolíticas das tecnologias digitais e computacionais com ênfase na algoritmização, plataformização e cibermediação da vida. E-mail: faria.marcelo@ufabc.edu.br.

Sérgio Amadeu da Silveira

Graduado em Ciências Sociais (1989), mestre (2000) e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2005). É professor associado da Universidade Federal do ABC (UFABC). É membro do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber). Integrou o Comitê Gestor da Internet no Brasil (2003-2005 e 2017-2020). Presidiu o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (2003-2005). Pesquisa as implicações tecnopolíticas dos sistemas algoritmos; Inteligência Artificial e ativismo; as relações entre comunicação e tecnologia; sociedades de controle e privacidade; práticas colaborativas na Internet. Autor dos livros: Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais; Exclusão Digital: a miséria na era da informação; Software Livre: a luta pela Liberdade do conhecimento; entre outros. É pesquisador do CNPq /Produtividade em Pesquisa - 2. E-mail: sergio.amadeu@ufabc.edu.br.

Editora responsável: Maria Ataide Malcher
Assistente editorial: Aluzimara Nogueira Diniz, Julia Quemel Matta, Suelen Miyuki A. Guedes e Weverton Raiol

Declaração de interesses

Conflito de interesse

Os autores declaram que não há conflito de interesse.



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