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Divulgação científica para a imprensa: o modelo híbrido dos textos da Agência Bori com base em cinco perguntas essenciais

Divulgación científica para la prensa: el modelo híbrido de los textos de la Agencia Bori basado en cinco cuestiones clave

Resumo

Nove em cada dez brasileiros não sabem dizer o nome de uma instituição que faça pesquisa no país ou de um cientista brasileiro (CGEE, 2019) – o que escancara a necessidade de estratégias para conectar a imprensa e a ciência no Brasil. É nesse campo que se insere a Agência Bori, iniciativa que dissemina estudos científicos brasileiros para jornalistas de todo o país e os explica por meio de texto híbrido, que se coloca entre um press release e um texto noticioso. No presente artigo, apresentamos a construção do modelo híbrido de texto de divulgação científica da Agência Bori com base em cinco perguntas essenciais: Qual principal achado da pesquisa? Como a pesquisa foi feita? Como os resultados mudam a vida das pessoas? Como os resultados mudam o que já se sabia na área do conhecimento? O que acontece agora diante dos resultados/conclusões? Experiências preliminares de monitoramento da repercussão dos estudos disseminados para a imprensa mostram que o modelo tem boa aceitação no meio jornalístico.

Palavras-chave
Jornalismo científico; Divulgação científica; Modelo textual; Jornalismo; Percepção social da ciência

Resumen

Nueve en cada diez brasileños no saben decir el nombre de una institución que produzca investigaciones en el país o, de igual manera, nombrar a un científico brasileño (CGEE, 2019) – lo que revela la necesidad de estrategias para conectar la prensa a la ciencia en Brasil. La Agencia Bori actúa para revertir esta invisibilidad con iniciativas de divulgación de los estudios científicos brasileños para periodistas de todo el país, produciendo contenidos explicativos por medio de un modelo textual híbrido, que se queda entre un comunicado de prensa y un texto informativo y se apropia así de elementos de asesoría de prensa y del periodismo. En este artículo presentamos la construcción del modelo híbrido de texto de divulgación científica de la Agencia Bori basado en cinco cuestiones clave: ¿Cuál es el principal resultado de la investigación? ¿Cómo se llevó a cabo la investigación científica? ¿Cómo los resultados cambian la vida de las personas? ¿Cómo los resultados cambian lo que ya se sabía en el área del conocimiento? ¿Qué ocurre ahora ante los resultados/conclusiones? Experiencias preliminares de verificación de la repercusión de los estudios divulgados para la prensa muestran que el modelo tiene buena aceptación en el medio periodístico.

Palabras clave
Periodismo científico; Divulgación científica; Modelo textual; Periodismo; Percepción social de la ciencia

Abstract

Nine out of ten Brazilians cannot name an institution that does research in the country or a Brazilian scientist (CGEE, 2019) – which reveals the need for strategies to connect the press and science in Brazil. Agência Bori is part of this field, an initiative that disseminates Brazilian scientific studies to journalists across the country and explains them through a hybrid text, which is placed between a press release and a news text. In this article, we present the construction of the Agência Bori hybrid model of science communication text based on five essential questions: What is the main finding of the research? How was the search done? How do the results change people’s lives? How do the results change what was already known in the area of knowledge? What happens now in the face of the results/conclusions? Preliminary experiences of monitoring the repercussion of studies disseminated to the press show that the model is well accepted in the journalistic environment.

Keywords
Science journalism; Science communication; Textual model; Journalism; Public understanding of science

Introdução: ciência na imprensa para chegar à sociedade

De todos os impactos causados pela pandemia de COVID-19, a intensificação da divulgação científica talvez tenha sido o mais interessante. A necessidade de enfrentamento de um novo vírus em todo o mundo colocou a ciência como elemento central no noticiário, deu voz a cientistas de diversas áreas do conhecimento e levou pesquisas científicas à imprensa de maneira inédita – o que pode transformar a divulgação social da ciência de maneira sem precedentes nos próximos anos.

A Agência Bori, projeto de disseminação da ciência para a imprensa criado por nós, acompanhou de perto esse processo1 1 A agência recebe o nome «Bori» em homenagem à cientista brasileira Carolina Bori (1924-2004), pesquisadora na área da psicologia experimental e a primeira presidente mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). . Lançada em fevereiro de 2020, duas semanas antes do primeiro caso de coronavírus no Brasil2 2 O primeiro caso de coronavírus foi identificado em 26 de fevereiro de 2020, duas semanas após o lançamento da Bori, em 12 de fevereiro de 2020. , a Bori começou a divulgar ciência brasileira para jornalistas justamente em um momento em que a mídia estava olhando para a produção científica e para cientistas do Brasil. Isso é importante e necessário: o Brasil produz aproximadamente 2% de toda a ciência mundial, o que lhe configurou, em 2021, o posto de 14º lugar no mundo em produção de ciência, de acordo com o Scimago Journal & Country Rankings3 3 Ver em https://www.scimagojr.com/countryrank.php?year=2021. Acesso em: 9 nov. 2022. . Foram mais de 100 mil estudos de brasileiros publicados em 2021, número próximo à produção científica da Coreia do Sul (13º lugar no mundo com 102 mil artigos publicados no mesmo ano) e três vezes maior que a produção acadêmica da África do Sul (33 mil estudos científicos publicados no mesmo período; 32º lugar no ranking).

Apesar dessa intensa produção científica nacional, nove em cada dez brasileiros não sabem dizer o nome de uma instituição que faça pesquisa no país ou de um cientista de acordo com a última pesquisa nacional de percepção pública da ciência e da tecnologia (CGEE, 2019CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS – CGEE. Percepção pública da C&T no Brasil – 2019. Resumo executivo. Brasília, DF: 2019. 24p.). A necessidade de comunicação estratégica para conectar a imprensa e a ciência no Brasil é evidente – e é nesse campo que o projeto da Agência Bori se insere.

Como é voltada para jornalistas com o objetivo de pautá-los com a ciência nacional, o principal interlocutor da Bori são os próprios profissionais de imprensa, que acabam utilizando o material da agência no seu próprio trabalho, e também a população em geral, que acaba se informando por meio da agência. Assim, essa situação social imediata, com interlocutores diversos, acaba por moldar a própria estrutura de enunciação (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2010 [1929]. 201p. [1929]) e funções comunicativas. Direcionar-se a esse possível leitor diversificado exige assumir funções de informar e, no caso dos jornalistas, convencer esse interlocutor para que ele próprio assuma o papel de informante. Por isso, criamos um modelo textual inédito de divulgação científica, que se apropria de elementos de assessoria de imprensa/marketing e do jornalismo para explicar as pesquisas científicas brasileiras.

Esse modelo de texto híbrido sobre as pesquisas brasileiras disseminadas na Bori, que mistura formatos de press release e do gênero informativo (MARQUES DE MELO, 2009MARQUES DE MELO, J. Jornalismo: compreensão e reinvenção. São Paulo: Saraiva, 2009., p.35), receberam o nome de “textos explicativos”. Cada texto da Bori explica ao interlocutor cinco perguntas essenciais da pesquisa científica da qual trata: (i) principais resultados da pesquisa; (ii) como a pesquisa foi feita; (iii) como a pesquisa avança o conhecimento científico que já havia na área; (iv) como muda a vida das pessoas; e (v) o que acontece a partir de agora.

No presente artigo, apresentamos um estudo de caso sobre a jornada de construção do texto híbrido de divulgação científica da Agência Bori criado com base nas cinco perguntas essenciais, mostramos um caso de divulgação científica na Agência Bori e debatemos possíveis impactos do formato proposto na divulgação da ciência brasileira. Como metodologia de coleta de dados, utilizamos informações testemunhais e documentais, a partir de observação participante das pesquisadoras, fundadoras e/ou atuantes no trabalho da Bori.

O contexto da criação da Agência Bori

O projeto da Agência Bori surgiu com a missão de promover uma mudança na cultura científica do país a partir da visão de Vogt (2003)VOGT, C. A espiral da cultura científica. ComCiência, Campinas, 2003. Disponível em: https://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/cultura/cultura01.shtml. Acesso em: 23 ago. 2021.
https://www.comciencia.br/dossies-1-72/r...
, aproximando a ciência da população por meio do jornalismo4 4 O projeto teve apoio inicial da Fapesp e, desde 2019, recebe aporte do Instituto Serrapilheira. Em 2020, a Agência Bori também foi selecionada para o Startup Lab da Google News Initiative para treinamento de 20 semanas, mentoria e apoio financeiro e, em 2021, passou a receber também apoio do Instituto Ibirapitanga. . Na Bori, mapeamos, selecionamos, antecipamos e explicamos, por meio de textos, a ciência de qualidade produzida no país para a imprensa nacional devidamente cadastrada na plataforma (“jornalistas da comunidade da Bori”). Assim, estabelece o contato direto entre jornalistas e cientistas – que são preparados pela nossa equipe para atender a imprensa para tratar de suas pesquisas. Esse é o carro-chefe da iniciativa5 5 Na Bori, também oferecemos a jornalistas cadastrados contatos de cientistas para pautas (banco de fontes). Em setembro de 2021, havia mais de 500 pesquisadores atendendo a imprensa nos bancos de fontes da Bori – com telefone celular e e-mail. Indo além, também organizamos cursos e sensibilizações temáticas para a imprensa para debater e levar evidências científicas em coberturas factuais como a divulgação do relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) ou a cobertura jornalística sobre vacinas contra COVID-19. Neste artigo, no entanto, vamos trabalhar especificamente os textos explicativos que dão base à antecipação das pesquisas científicas à imprensa. .

O trabalho da Agência Bori se mostra ainda mais importante porque há, no Brasil, forte demanda por profissionalização da divulgação científica: profissionais capacitados que saibam conduzir discussões verdadeiramente científicas e mostrar a dimensão social que a ciência tem (DENTILLO, 2011DENTILLO, D. B. A profissão de divulgador científico em debate. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 63, n.3, p.14-15, 2011.). Essa profissionalização não acontece em um “passe de mágica”: “é preciso fomentar essa cultura dentro da academia e criar uma infraestrutura de apoio minimamente adequada, para que aqueles que tiverem interesse de trabalhar com isso consigam fazê-lo com um mínimo de sucesso” (ESCOBAR, 2018ESCOBAR, H. Divulgação científica: faça agora ou cale-se para sempre. ComCiência, Campinas, 2018. Disponível em: https://www.comciencia.br/divulgacao-cientifica-faca-agora-ou-cale-se-para-sempre/. Acesso em: 23 set. 2021.
https://www.comciencia.br/divulgacao-cie...
, s.p.). Em instituições de pesquisa e universidades ainda pouco estruturadas para divulgação científica, o papel do jornalismo para conectar a ciência à sociedade se reforça.

Vale destacar que, apesar de facilitar o contato de cientistas com jornalistas, a Bori não se configura como uma assessoria de imprensa. Assim, não atende a imprensa diretamente a partir do perfil e das necessidades de cada veículo de comunicação e tampouco executa trabalho específico de identificação de assuntos para veículos específicos, como define, por exemplo, o Manual de Relacionamento com a Imprensa da Unicamp (UNICAMP, s/dMANUAL de Relacionamento com a Imprensa - Os meios de comunicação. UNICAMP. (s/d). Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/manual-de-relacionamento/os-meios-de-comunicacao. Acesso em: 28 set. 2021.
https://www.unicamp.br/unicamp/manual-de...
). É uma espécie de vitrine da ciência nacional explicada e facilitada, uma iniciativa inédita no país que, justamente por isso, criou um modelo diferenciado de texto explicativo.

Esse tipo de serviço era uma demanda importante no país há alguns anos. Como escrevem Massarani e Peters (2016, p. 1171)MASSARANI, L.; PETERS, H. Scientists in the Public Sphere: interactions of scientists and journalists in Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 88, n. 2, p. 1165-75, 2016., em artigo que tratou das relações de cientistas com a imprensa, “a forte concordância com itens que afirmam o importante papel das publicações científicas para a comunicação de pesquisas apontam para um ponto importante: a disponibilização dessas publicações aos jornalistas”. Os autores seguem:

Jornalistas que atuam na grande mídia não necessariamente têm fácil acesso aos artigos: a maioria dos pesquisadores que atuam em universidades e instituições de pesquisa brasileiras teve, na última década, acesso aos principais periódicos internacionais por meio do chamado “Portal da Capes”, agência de fomento vinculada ao Ministério da Educação - mas não é o caso dos jornalistas. Revistas como Science, Nature e JAMA têm um sistema muito bom para distribuição de seus artigos em todo o mundo para jornalistas, incluindo brasileiros

(MASSARANI; PETERS, 2016MASSARANI, L.; PETERS, H. Scientists in the Public Sphere: interactions of scientists and journalists in Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 88, n. 2, p. 1165-75, 2016., p. 1172).

O principal sistema mencionado pelos autores é a EurekAlert!6 6 Ver em https://www.eurekalert.org. Acesso em: 8 out. 2021. , plataforma de distribuição de comunicados de imprensa sem fins lucrativos operada pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) como um recurso para jornalistas e para o público. O serviço hospeda comunicados à imprensa produzidos por universidades, editores de periódicos, centros médicos, agências governamentais, corporações e outras organizações envolvidas em todas as disciplinas da pesquisa científica.

Oliveira, Massarani e Amorim (2014)OLIVEIRA, S.; MASSARANI, L.; AMORIM, L. H. Ciência sob embargo: um estudo de caso dos jornais O Globo e Folha. E-Compós, Brasília, v. 17, n. 1, 2014. analisaram a influência justamente da EurekAlert! em dois importantes jornais brasileiros. O resultado é que os jornais analisados apresentam, em sua maioria, pesquisas realizadas nos Estados Unidos e no Reino Unido, o que representa “uma visão parcial e geograficamente limitada do mundo da ciência que não necessariamente atende às nossas necessidades sociais e econômicas” (OLIVEIRA; MASSARANI; AMORIM, 2014, p. 12).

No mesmo sentido, Shipman (2014)SHIPMAN, M. Public relations as science communication. Journal of Science Communication, v. 13, n. 3, 2014. analisa o papel importante que os comunicados à imprensa mundial de serviços como a EurekAlert! exercem na comunicação científica. Para ele, journals de baixa visibilidade acabam ficando às margens da divulgação. “Existem boas histórias que os repórteres podem nunca encontrar porque são publicadas em um periódico que os repórteres não leem regularmente. Um comunicado à imprensa pode, portanto, elevar o perfil dos artigos nessas revistas, tornando mais provável que a pesquisa relevante seja publicada na mídia convencional” (SHIPMAN, 2014SHIPMAN, M. Public relations as science communication. Journal of Science Communication, v. 13, n. 3, 2014., p. 2).

Além disso, ao impulsionar a visibilidade da ciência nacional junto à sociedade, a disseminação de pesquisas científicas para a imprensa pode ser uma estratégia eficiente para fortalecer a imagem organizacional de universidades, em um cenário descrito por Marcinkowski e colegas (2013) como de competição acadêmica crescente. Os autores pontuam que crises de legitimidade da ciência têm afetado universidades de vários países da Europa e levam essas instituições a investir na sua visibilização por meio da imprensa. Apesar das universidades brasileiras estarem em um contexto ligeiramente diferente, os cortes orçamentários do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) para investimento em ciência, que ocorrem de maneira sistemática desde 2014, ressaltam a urgência das universidades criarem mecanismos para mostrarem a ciência que se faz nos seus laboratórios para a população brasileira.

Massarani e Peters (2016)MASSARANI, L.; PETERS, H. Scientists in the Public Sphere: interactions of scientists and journalists in Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 88, n. 2, p. 1165-75, 2016. destacam ainda a biblioteca eletrônica SciELO7 7 Ver em https://www.scielo.br. Acesso em: 8 out. 2021. como uma iniciativa com grande potencial de comunicação científica – desde que adequada às demandas da imprensa. Desde o seu desenvolvimento, a Agência Bori estabeleceu uma parceria com a SciELO para mapear a produção científica dos periódicos editados no Brasil antes da sua publicação e, assim, antecipar estudos científicos para a imprensa sob embargo jornalístico8 8 Artigos científicos de periódicos fora da SciELO também são disseminados pela Bori, mas, nesse caso, o envio dos trabalhos é feito diretamente pelos seus autores à agência. .

A própria SciELO criou uma iniciativa de disseminação de artigos científicos por meio de press releases ou comunicados de imprensa, definidos como “um texto resumido sobre um artigo científico” que pode ser “utilizado para promover os elementos principais de uma pesquisa em veículos de divulgação, sendo produzido pelos próprios autores dos artigos, por editores ou equipe editorial e por jornalistas” com linguagem “acessível e sem jargões, termos técnicos, abreviaturas e siglas” (SciELO, 2014INSTRUÇÕES para a elaboração de press release. SciELO Em Perspectiva: Humanas. Jun.2014. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org/sobre/instrucoes-press-release/. Acesso em: 3 out. 2021.
https://humanas.blog.scielo.org/sobre/in...
, s.p.) Os press releases são publicados após a veiculação dos trabalhos (artigo científico ou um número temático) nos periódicos das coleções nacionais ou temáticas da Rede SciELO.

Acontece que a antecipação dos trabalhos científicos explicados à imprensa, ou seja, a disponibilização antes de sua publicação sob embargo jornalístico, é uma demanda da própria imprensa. Isso porque o ineditismo é um dos principais critérios que movem o trabalho da mídia – também, é claro, no jornalismo científico. Em pesquisa feita em 2019 com 140 jornalistas de 12 Estados e do Distrito Federal durante o desenvolvimento da Agência Bori, observou-se que 70% dos respondentes gostariam de receber pesquisas científicas para reportar até 15 dias antes de sua publicação, justamente para ter tempo de elaborar o conteúdo jornalístico sobre o material (RIGHETTI et al., 2021RIGHETTI, S.; MORALES, A. P.; GAMBA, E. C.; FLORES, N.; ANDRADE, F. Q. O que pensam os jornalistas de ciência e os cientistas do Brasil? A pesquisa nacional que fundamentou a criação da Agência Bori. Relatório técnico com resultados de pesquisa aplicada em 2019. Agência Bori, 2021. Disponível em https://abori.com.br/publicacoes/. Acesso em: 16 out. 2021.
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).

Vale destacar ainda que 60% dos jornalistas entrevistados na pesquisa fazem até três reportagens por semana (ou seja, uma nova reportagem a cada dia útil e meio) e a maioria não tem formação específica em ciência. Na época da pesquisa, um em cada quatro jornalistas brasileiros consultados revelou que usava a plataforma EurekAlert! como principal fonte para encontrar pautas sobre pesquisas científicas (RIGHETTI et al., 2021RIGHETTI, S.; MORALES, A. P.; GAMBA, E. C.; FLORES, N.; ANDRADE, F. Q. O que pensam os jornalistas de ciência e os cientistas do Brasil? A pesquisa nacional que fundamentou a criação da Agência Bori. Relatório técnico com resultados de pesquisa aplicada em 2019. Agência Bori, 2021. Disponível em https://abori.com.br/publicacoes/. Acesso em: 16 out. 2021.
https://abori.com.br/publicacoes/...
). Isso reforça a menção da plataforma, em pesquisa anterior de Massarani e Peters (2016)MASSARANI, L.; PETERS, H. Scientists in the Public Sphere: interactions of scientists and journalists in Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 88, n. 2, p. 1165-75, 2016., como importante recurso para disseminação científica também no Brasil – o que leva, muitas vezes, à priorização de pautas científicas estrangeiras, como destacam Oliveira, Massarani e Amorim (2014)OLIVEIRA, S.; MASSARANI, L.; AMORIM, L. H. Ciência sob embargo: um estudo de caso dos jornais O Globo e Folha. E-Compós, Brasília, v. 17, n. 1, 2014..

A ciência disseminada pela Agência Bori

No seu primeiro ano de atuação, de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021, a Bori antecipou à imprensa cadastrada9 9 Em fevereiro de 2021, mais de 1.400 jornalistas cadastrados na Agência Bori de todo o país acessavam o sistema diariamente. 147 trabalhos científicos acompanhados de texto explicativo (em modelo híbrido que mistura formatos de press release e do gênero informativo)10 10 Chamamos de “cientista porta-voz” todos os pesquisadores que se responsabilizam, na Bori, pelo atendimento à imprensa no período de disseminação das pesquisas (na maioria das vezes, trata-se do principal autor do estudo). No primeiro ano de atuação da Bori, metade deles teve porta-voz mulher. . Foram trabalhos sobre os impactos sociais e econômicos da pandemia de COVID-19, as consequências do aquecimento global para os recifes de corais, os efeitos do consumo de canela no controle da diabetes, além de uma proposta nova para se pesar aglomerados de galáxias ou da identificação de novas espécies de peixes e de um fóssil raro no Nordeste. Todos os estudos divulgados tiveram algum tipo de repercussão na imprensa nacional.

Esse montante de trabalhos foi distribuído na mesma proporção em três grandes conjuntos de temas: (i) pesquisas em Saúde; (ii) pesquisas em Ciências Sociais Aplicadas; e (iii) pesquisas nas demais áreas como Ambiente, Humanas e Exatas; a seguir exemplificadas na Tabela 1:

Quadro 1
Exemplos de títulos de pesquisas que disseminamos na Bori e sua repercussão na imprensa (março de 2020 a abril de 2021)

Como pode ser observado na Tabela 1, as pesquisas são disseminadas pela Bori partindo de um título que está no meio do caminho entre um press release, que destaca características institucionais, e um título noticioso jornalístico. No primeiro caso, além do tema principal, destaca-se aspectos da instituição. Como escreve Galiego (2013)GALIEGO, A. Assessoria de imprensa ou de comunicação? Observatório da Imprensa, 2013. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/_ed756_assessoria_de_imprensa_ou_de_comunicacao/. Acesso em: 25 set. 2021.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br...
, o principal papel da assessoria de imprensa é o de divulgação (de pesquisas, eventos, informações institucionais) lidando diretamente com repórteres. Cabe ao assessor de imprensa sugerir pautas noticiáveis para a mídia. Já no segundo caso, o foco é na informação principal de maneira objetiva, com destaque a números (quando for o caso), sem sequer mencionar a instituição no título.

Por estar “no meio do caminho” entre um press release e um texto noticioso, demos ao texto explicativo da Bori o nome de “modelo híbrido”, no sentido genético que define um organismo formado pelo cruzamento de duas variedades diferentes. As marcas textuais do modelo de texto da Bori são exploradas a seguir.

As marcas textuais do modelo de texto híbrido da Bori

O relato constitui um estudo de caso sobre as disseminações da Bori, a partir de informações documentais e testemunhais, já que as pesquisadoras estão à frente da coordenação da Agência. Para melhor compreender que tipo de produção textual estávamos desenvolvendo na Agência Bori, nos debruçamos sobre os estudos do discurso e de linguagem, trabalhando, especificamente, os conceitos de enunciado, gênero, tipo e esfera do discurso (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]. [1979]; MAINGUENEAU, 2008MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.). Partindo de Bakhtin (2003 [1979], p. 279)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]., entendemos que existe uma relação estreita entre as esferas do discurso e os enunciados, sendo que “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”.

Tomando como exemplo o jornalismo, esfera de atividade associada à Agência Bori, percebemos que ele organiza gêneros discursivos para preencher determinadas funções sociais (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016MARQUES DE MELO, J.; ASSIS, F. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., v. 9, n. 1, p. 39–56, 2016.). Como expressões linguísticas de situações comunicacionais determinadas (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]. [1979]), o gênero tem um elemento estável, relacionado à sua identidade, que se desdobra em conteúdo temático, composição e estilo verbal. Ele agruparia uma série de formatos discursivos – que, no entendimento de Marques de Melo e Assis (2016)MARQUES DE MELO, J.; ASSIS, F. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., v. 9, n. 1, p. 39–56, 2016., seriam formas de expressão flexíveis e mutáveis ao longo do tempo. A partir desta elasticidade estrutural, os gêneros conseguiriam se adaptar às mudanças da vida social e da sociedade (BAKHTIN, 2003BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1979]. [1979]).

A nosso ver, o texto explicativo da Bori pode ser considerado um caso híbrido que mescla elementos de gêneros pertencentes a três esferas do discurso: da divulgação científica, do jornalismo e da assessoria de imprensa/marketing institucional. Da divulgação científica, trazemos a própria definição de ser um texto produzido a partir de um texto científico (artigo, relatório, livro) – um gênero secundário em relação a um primário (MAINGUENEAU, 2008MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.). O discurso de divulgação científica é considerado uma nova formulação discursiva (ZAMBONI, 2001ZAMBONI, L. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica. Subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgação científica. Campinas: Autores Associados, 2001.), pois usa o discurso científico ao mesmo tempo em que agrega outros elementos (metáforas, paráfrases, análises de fontes, dados) para se fazer entendível a uma outra comunidade discursiva, a dos jornalistas e pessoas interessadas em ciência.

Como o texto da Bori é formatado para ser utilizado por jornalistas no seu processo de produção de reportagem, o configuramos a partir de lógicas do discurso jornalístico. Partindo da classificação de Marques de Melo (2009 apud MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016MARQUES DE MELO, J.; ASSIS, F. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., v. 9, n. 1, p. 39–56, 2016.), podemos dizer que ele pertence, predominantemente, ao universo do gênero jornalístico informativo, com formato de notícia e reportagem. Ao pertencer ao formato notícia, o texto carrega “normatizações que estabelecem parâmetros estruturais para cada forma, os quais incluem aspectos textuais e, também, procedimentos e particularidades relacionados ao modus operandi de cada unidade” (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016MARQUES DE MELO, J.; ASSIS, F. Gêneros e formatos jornalísticos: um modelo classificatório. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun., v. 9, n. 1, p. 39–56, 2016., p. 50). As frases curtas, informativas e objetivas, sem o uso de jargões ou conceitos acadêmicos sem explicação aparecem como marcas textuais relevantes do nosso produto informativo.

Além disso, a própria estrutura de organização textual do modelo da Bori remete à pirâmide invertida do jornalismo, que traz as informações consideradas mais importantes já no parágrafo de abertura do texto, enquanto aloca informações secundárias que complementam a notícia nos parágrafos subsequentes (FONTCUBERTA, 1993FONTCUBERTA, M. La notícia. Pistas para percibir el mundo. Buenos Aires: Paidós Papeles de Comunicación, 1993.; GRADIM, 2000GRADIM, A. Manual de Jornalismo (Estudos em Comunicação). Covilhã: Universidade Beira Interior, 2000.). Essa formatação permite, também, que veículos de comunicação reproduzam os nossos textos na íntegra caso não tenham equipe para produzir reportagens, uma realidade no contexto de “desertos de notícias” brasileiro. Como escreve Pinto (2012, p. 200)PINTO, A. E. S. Jornalismo diário: reflexões, recomendações, dicas e exercícios. São Paulo, Publifolha, 2012. em seu livro sobre jornalismo diário fortemente inspirado pela experiência da Folha de S.Paulo: “Na pirâmide invertida, o texto começa com o que é mais relevante e termina com o menos importante. A ideia é que, caso o leitor não queira ler até o fim, terá obtido o que é fundamental no início”. Para ela, praticar esse tipo de texto diz respeito à hierarquia das informações.

Por fim, também transitamos no universo da assessoria de imprensa/marketing institucional na medida em que promovemos o consumo noticioso de estudos produzidos em universidades e centros de pesquisa. Cabe lembrar, aqui, do alerta de Marques de Melo e Assis (2016) para olhar para as práticas jornalísticas (os processos e bastidores) para se ter uma leitura correta dos formatos jornalísticos, antes de se fixar somente na análise dos textos. No nosso caso, o fato de assumirmos a função de “ponte” entre jornalistas e cientistas/instituições – apesar de não sermos assessoria de imprensa – faz com que usemos algumas técnicas de construção textual da esfera de comunicação institucional.

O texto da Agência Bori se aproxima da estrutura do press release descrito por Duarte (2009)DUARTE, J. Release: história, técnica, usos e abusos. In: DUARTE, J. (org.) Assessoria de imprensa e Relacionamento com a Mídia. Teoria e Prática. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 286-305., pois se coloca na esfera de informar, orientar e subsidiar o trabalho de jornalistas da cobertura de ciência a partir do ângulo da notícia, da novidade. Assim como os releases de outras instituições, nosso texto tem um viés de origem e, por isso, “conta apenas metade de uma história, apresenta apenas um ângulo, um ponto de vista” (DUARTE, 2009DUARTE, J. Release: história, técnica, usos e abusos. In: DUARTE, J. (org.) Assessoria de imprensa e Relacionamento com a Mídia. Teoria e Prática. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 286-305., p. 289), do grupo de pesquisa que realizou o estudo disseminado. Assim, nos diferenciamos dos produtos jornalísticos por não trazer o contraditório e outras vozes para interpretar os resultados do estudo, processo típico da apuração jornalística.

Ele também carrega marcas textuais de marketing institucional, citando universidades, pesquisadores porta-vozes e grupos de pesquisa responsáveis pelos estudos divulgados. Além disso, também trazemos uma ficha técnica, ao final do texto, com os contatos do porta-voz do estudo e da assessoria de imprensa – o que pode ser considerada uma marca textual pertencente a esse universo. A disponibilidade das fontes aumenta as chances do aproveitamento dos releases pela imprensa (DUARTE, 2009DUARTE, J. Release: história, técnica, usos e abusos. In: DUARTE, J. (org.) Assessoria de imprensa e Relacionamento com a Mídia. Teoria e Prática. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 286-305.), e é um dos critérios para selecionarmos o estudo para disseminação, já que queremos fornecer ao jornalista a possibilidade de entrevistar os cientistas.

Por outro lado, entendemos que esses elementos de marketing institucional não são predominantes no modelo híbrido textual da Bori. O próprio modo de inserção do nome das instituições de pesquisa e dos pesquisadores no texto é balizado pelo critério informativo do discurso jornalístico: citamos a instituição no primeiro parágrafo, informando “quem fez” a pesquisa, e trazemos o nome do porta-voz como citação direta. Outras orientações textuais, como não usar adjetivos ou frases sem conteúdo informativo, também servem a esse propósito de nos afastarmos do texto promocional comumente utilizado por algumas instituições.

Assim, concordamos com Shipman (2014)SHIPMAN, M. Public relations as science communication. Journal of Science Communication, v. 13, n. 3, 2014. quando afirma que um press release pode ser uma ferramenta tanto de comunicação pública da ciência como de marketing institucional, pois dá acesso aos jornalistas a resultados científicos produzidos em instituições de pesquisa, encorajando-os a fazer suas coberturas baseadas nestes dados, ao mesmo tempo em que faz com que estas mesmas instituições ganhem prestígio na esfera midiática. Concebemos o modelo híbrido de divulgação científica da Agência Bori nesta duplicidade. A seguir, apresentamos a sua estrutura textual.

Os textos explicativos em modelo híbrido da Bori

A definição do modelo textual híbrido da Bori, que serve de base para todas os textos explicativos sobre pesquisas brasileiras que disseminamos à imprensa, parte do princípio de que o interlocutor é, principalmente, o jornalista da nossa comunidade – que deve ser convencido de que aquela pesquisa retratada pode se tornar uma pauta no seu veículo. Assim, definimos que o texto deveria ser objetivo, informativo, atraente, com linguagem simplificada e frases curtas, e, ao mesmo tempo, ter elementos de um press releases. Além disso, definimos que os textos explicativos da Bori teriam no máximo seis parágrafos.

O diferencial dos textos da Bori em seu modelo híbrido foi a identificação de cinco perguntas fundamentais, que são respondidas em todas as produções:

  • P1. Qual principal achado da pesquisa?

  • P2. Como a pesquisa foi feita?

  • P3. Como os resultados mudam a vida das pessoas?

  • P4. Como os resultados mudam o que já se sabia na área do conhecimento?

  • P5. O que acontece agora diante dos resultados/conclusões?

Isso pode ser visto a seguir, na Tabela 2, exemplificada com o estudo de pesquisadores da UFRN, publicado em 17 de dezembro de 2020, no periódico Biological Conservation e antecipada à imprensa sob o título “Carnaval de Salvador afeta vida marinha, diz estudo” (Título do artigo: “Land-based noise pollution impairs reef esh behavior: A case study with a Brazilian carnival”)11 11 Ver https://abori.com.br/ambiente/carnaval-de-salvador-afeta-vida-marinha-diz-estudo/. Acesso em: 8 out. 2021. :

Quadro 2
Exemplo de produção textual da Bori respondendo cinco perguntas fundamentais

Observa-se que o primeiro parágrafo responde às perguntas tradicionais de lide jornalístico seguindo também as definições para elaboração de press releases da SciELO (2014)INSTRUÇÕES para a elaboração de press release. SciELO Em Perspectiva: Humanas. Jun.2014. Disponível em: https://humanas.blog.scielo.org/sobre/instrucoes-press-release/. Acesso em: 3 out. 2021.
https://humanas.blog.scielo.org/sobre/in...
mencionadas anteriormente: (i) Quem (realizou a pesquisa)?; (ii) O que (há de novo)?; (iii) Onde (foi feita a pesquisa/foi publicado o trabalho)?; (iv) Quando (ocorreu a descoberta/ foi publicado o resultado)?; e (v) Por que (o resultado é inovador)? Nem sempre é possível responder todas as perguntas nos textos explicativos híbridos da Bori, mas a expectativa é responder a maioria delas.

O parágrafo seguinte trata da metodologia da pesquisa, informação muito valorizada na comunicação da ciência (entre pares), mas, nem sempre presente em textos jornalísticos sobre ciência. Já os parágrafos seguintes tratam dos impactos dos resultados da pesquisa na vida das pessoas e no conhecimento pregresso da área (não necessariamente nessa ordem). Por fim, definimos que todos os textos explicativos híbridos da Bori são concluídos com perspectivas futuras da pesquisa e, em alguns casos, incertezas – aspectos mais comuns em reportagens jornalísticas e menos presentes em press releases.

Vale ainda destacar que todos os textos explicativos da Bori teriam necessariamente aspas do/a autor/a porta-voz da pesquisa disseminada comentando resultados do estudo – de preferência ao final do texto. Vê-se, pela Tabela 2, que as aspas do cientista porta-voz aparecem a partir do 3º parágrafo do texto. Aqui, elas levam o texto a se assemelhar mais com um formato jornalístico do que de press release – o que reafirma a proposta híbrida.

O fluxo de informações entre parágrafos do texto da Agência Bori, como descrito acima, com base nas cinco perguntas fundamentais, está ilustrado na Figura 1:

Figura 1
Fluxograma da estrutura do texto explicativo híbrido da Agência Bori

Por fim, vale destacar que, na Bori, o texto explicativo híbrido sobre a referida pesquisa de ecologia foi publicado na categoria “Ambiente” – uma das editorias criadas pela Bori para identificar, aos jornalistas, a área de cobertura de cada pesquisa. O padrão textual estruturado pelas cinco perguntas essenciais, no entanto, se mantém em textos de categorias de todas as áreas do conhecimento, como “Medicina e Saúde” ou “Economia e Administração”.

Considerações finais

Neste texto, apresentamos um relato de caso da Agência Bori, especializada em antecipar materiais explicativos para a imprensa, com o objetivo de debater o modelo textual híbrido de divulgação científica construído para munir jornalistas de informações científicas. Ao misturar elementos do press release e do texto noticioso, este formato traz a relevância da pirâmide invertida e do “gancho noticioso” para atrair jornalistas, interessados, sumariamente, nos resultados da pesquisa disseminados e no seu impacto na vida das pessoas.

Experiências preliminares de monitoramento do impacto das nossas produções têm demonstrado que o modelo tem boa aceitação com jornalistas e veículos de comunicação cadastrados na Bori – todos os press releases repercutiram, de alguma forma, na mídia. Análises mais sistemáticas e aprofundadas serão feitas na sequência para entendermos e até quantificarmos a dimensão do impacto das nossas disseminações.

Acreditamos que o modelo pode servir de inspiração tanto para assessores de imprensa de universidades que queiram intensificar ou, mesmo, começar a divulgação à imprensa de pesquisas feitas na instituição, quanto para divulgadores científicos, que queiram inovar no seu formato e atrair maior interesse do público. Afinal, formatos jornalísticos ainda têm sua utilidade na comunicação social, pois conseguem sintetizar o essencial da história a ser contada, independentemente do meio utilizado.

Por fim, vislumbramos que a adoção deste modelo por essas assessorias de imprensa de diferentes instituições de pesquisa do Brasil pode trazer um impacto na visibilização da produção científica na imprensa nacional – e, consequentemente, na vida das pessoas. Afinal, despertar o interesse de jornalistas pelos resultados de pesquisa gerados nestas instituições é um primeiro passo para consolidá-las como fontes de informação perenes de pequenos e grandes veículos de comunicação.

Esse movimento pode levar à construção de um ecossistema de iniciativas que fortaleçam e aproximem a ciência do jornalismo e, consequentemente, da população brasileira – e que, afinal, fortaleçam a nossa cultura científica. Como debatemos neste trabalho, aumentar o diálogo da ciência com a sociedade é, afinal, uma questão de sobrevivência da própria ciência brasileira. E a ciência brasileira precisa muito sobreviver.

  • 1
    A agência recebe o nome «Bori» em homenagem à cientista brasileira Carolina Bori (1924-2004), pesquisadora na área da psicologia experimental e a primeira presidente mulher da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
  • 2
    O primeiro caso de coronavírus foi identificado em 26 de fevereiro de 2020, duas semanas após o lançamento da Bori, em 12 de fevereiro de 2020.
  • 3
  • 4
    O projeto teve apoio inicial da Fapesp e, desde 2019, recebe aporte do Instituto Serrapilheira. Em 2020, a Agência Bori também foi selecionada para o Startup Lab da Google News Initiative para treinamento de 20 semanas, mentoria e apoio financeiro e, em 2021, passou a receber também apoio do Instituto Ibirapitanga.
  • 5
    Na Bori, também oferecemos a jornalistas cadastrados contatos de cientistas para pautas (banco de fontes). Em setembro de 2021, havia mais de 500 pesquisadores atendendo a imprensa nos bancos de fontes da Bori – com telefone celular e e-mail. Indo além, também organizamos cursos e sensibilizações temáticas para a imprensa para debater e levar evidências científicas em coberturas factuais como a divulgação do relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) ou a cobertura jornalística sobre vacinas contra COVID-19. Neste artigo, no entanto, vamos trabalhar especificamente os textos explicativos que dão base à antecipação das pesquisas científicas à imprensa.
  • 6
    Ver em https://www.eurekalert.org. Acesso em: 8 out. 2021.
  • 7
    Ver em https://www.scielo.br. Acesso em: 8 out. 2021.
  • 8
    Artigos científicos de periódicos fora da SciELO também são disseminados pela Bori, mas, nesse caso, o envio dos trabalhos é feito diretamente pelos seus autores à agência.
  • 9
    Em fevereiro de 2021, mais de 1.400 jornalistas cadastrados na Agência Bori de todo o país acessavam o sistema diariamente.
  • 10
    Chamamos de “cientista porta-voz” todos os pesquisadores que se responsabilizam, na Bori, pelo atendimento à imprensa no período de disseminação das pesquisas (na maioria das vezes, trata-se do principal autor do estudo). No primeiro ano de atuação da Bori, metade deles teve porta-voz mulher.
  • 11

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Editado por

Editora responsable: Maria Ataide Malcher
Asistente editorial: Weverton Raiol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2021
  • Aceito
    04 Nov 2022
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