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Atualizando a história – 100 anos do rádio em São Paulo: SQIG - Sociedade Rádio Educadora Paulista e PRA-6 Rádio Gazeta
Updating history – 100 years of radio in São Paulo: SQIG – Sociedade Rádio Educadora Paulista and PRA-6 Rádio Gazeta
Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. 46, e2023123, 2023
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Artigos


Recepção: 30 Maio 2023

Aprovação: 25 Outubro 2023

DOI: https://doi.org/10.1590/1809-58442023123pt

Resumo: Tratamos da história do rádio, com foco na SQIG Rádio Educadora Paulista e PRA-6 Rádio Gazeta. O problema centra-se nas circunstâncias por que passou e características da primeira emissora de São Paulo e posterior migração do prefixo para a Gazeta. O objetivo é analisar e aprofundar conhecimentos sobre a história do rádio do Estado, que faz 100 anos em 2023 e, para isso, a metodologia parte da análise de fontes primárias memoriais, deixadas pelo radialista Mauro Pires, e entrevistas realizadas com José Mauro Martins Pires, Mário Fannuchi, entre outros. As referências principais são Briggs e Burke; Moura e Nigri; Bosi; Alberti. A SQIG chega com extrema importância na cidade, com cast excelente e concluímos que é uma grande escola de rádio, que influencia gerações de profissionais e emissoras.

Palavras-chave: Rádio paulista, Sociedade Rádio Educadora Paulista, Rádio Gazeta, História do rádio, Rádio e Cultura.

Resumen: Nos ocupamos de la historia de la radio, centrándonos en SQIG Rádio Educadora Paulista y PRA-6 Rádio Gazeta. El problema se centra en las circunstancias y características del espíritu pionero de esta emisora, la primera estación en São Paulo y la posterior migración del prefijo a Gazeta. El objetivo es analizar y profundizar el conocimiento sobre la historia de la radio en el Estado, que cumplirá 100 años en 2023 y, para ello, la metodología parte del análisis de fuentes primarias memoriales, dejadas por el locutor de radio Mauro Pires, y entrevistas realizadas a José Mauro Martins Pires, Mario Fannuchi, entre otros. Las principales referencias son Briggs y Burke; Moura y Nigri; Bosi; Alberti. SQIG llegó con extrema importancia a la ciudad, con un excelente elenco y concluimos que fue una gran escuela de radio, que influenció a generaciones de profesionales y estaciones de radio.

Palabras clave: Radio, Sociedade Rádio Educadora Paulista, Gazeta, Historia de la radio, Radio y Cultura.

Abstract: We discuss the history of radio, with a focus on SQIG Rádio Educadora Paulista and PRA-6 Rádio Gazeta. The question is about the circumstances and characteristics of the first radio station in São Paulo and the subsequent transfer of the call sign to Gazeta. The objective is to analyze and deepen our knowledge of the history of radio in the state, which celebrates its 100th anniversary in 2023. To achieve this, the methodology involves the analysis of primary memorial sources left by radio broadcaster Mauro Pires and interviews conducted with José Mauro Martins Pires, Mário Fannuchi, among others. The main references include Briggs and Burke, Moura and Nigri, Bosi, and Alberti. SQIG arrives in the city with great importance, boasting an excellent cast, and we conclude that it serves as a significant radio school, influencing generations of professionals and broadcasters.

Keywords: São Paulo radio, Sociedade Rádio Educadora, Paulista, Rádio Gazeta, Radio history, Radio and culture.

Introdução

Neste artigo temos por objetivo aprofundar conhecimentos sobre a história do rádio de São Paulo, que tem início em 30 de novembro de 1923, com a fundação da SQIG Rádio Educadora Paulista. Estamos, portanto, nos propondo a registrar os conteúdos presentes nas grades de programação e sua relação e importância na cultura radiofônica regional. Nesta perspectiva, a questão que nos interessa responder é como se dá realmente a abertura da primeira rádio de São Paulo, em quais circunstâncias e quais as características da SQIG Sociedade Rádio Educadora Paulista. Um debate que tem surgido na área de comunicação, bastante controverso, é que há uma proliferação de erros na internet sobre a história do rádio, ambiente profícuo para este fim. Com a proliferação, torna-se raro encontrar material novo publicado com rigor científico sobre o campo e com dados fidedignos, daí buscarmos responder estas questões com uma pesquisa que tenha como método fontes documentais e memoriais, pois a história oral pode ser muito útil com este tipo particular de pesquisa. Cabe ressaltar que utilizamos neste artigo os verbos no presente, como uma atualização do texto. Trata-se de um recurso discursivo e estilístico no sentido de que a história do rádio e das rádios analisadas se perpetuam.

Em quase três décadas de pesquisa sobre o rádio paulista e brasileiro, posteriormente, também o rádio europeu, particularmente as emissoras espanholas, pudemos constatar que vão se reproduzindo informações já publicadas em diferentes revistas e congressos sobre a história do meio, inclusive criando-se fatos e dados que não existiram. Nesse sentido, aproveitando os 100 anos do rádio paulista, e buscando esclarecer melhor estas questões, buscamos rever fontes e metodologia de pesquisa que nos nortearam anteriormente e aprofundar e ampliar as análises de documentos, sejam fontes sonoras, escritas ou orais. Vamos trabalhar com documentos deixados pelo radialista Mauro Pires, sobre a história do rádio de São Paulo, e também outras fontes primárias memorialistas, deixadas a partir de entrevistas que realizamos. Entre estas entrevistas utilizaremos algumas realizadas com o radialista José Mauro Martins Pires, Filho de Mauro Pires e sobrinho neto de Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado. Para aprofundarmos o entendimento sobre fontes, História Oral e História do rádio, buscamos informações fundamentalmente em Figueiredo (2022); Briggs e Burke (2006); Sande (2005); Pousa e Yaguana (2013); Bosi (2007); Pires (2000); Alberti (2013); Halbwachs (1990), entre outros.

Sobre História Oral, escreve Figueiredo (2022, p.1):

Para compreender a importância da memória e a sua estreita relação com a História Oral é preciso, antes de mais nada, entender o que vem a ser a História Oral. A História Oral é uma metodologia de pesquisa utilizada por inúmeros pesquisadores, com destaque para historiadores, antropólogos, sociólogos, psicólogos e cientistas políticos. Essa metodologia tem a finalidade de, a partir da realização e gravação de entrevistas, registrar, dentre as variadas possibilidades, as experiências e relatos de sujeitos que testemunharam fatos históricos, movimentos sociais, culturais, trajetórias pessoais e institucionais. Trata-se de uma metodologia de carácter multidisciplinar cujo emprego não está circunscrito apenas aos profissionais das ciências humanas e sociais. Muito pelo contrário, esse método possibilitou o enriquecimento de estudos relacionados tanto às histórias das elites quanto das minorias e dos marginalizados, como os estudos sobre gênero, sexualidades, classes trabalhadoras, religiosidades e tradições locais (FIGUEIREDO, 2022, p. 1).

Quanto ao método de pesquisa, o desenvolvemos dentro de um quadro teórico, segundo os instrumentos e procedimentos metodológicos que adotamos, buscando cotejar diferentes fontes de informação adquiridas com entrevistas, leitura de artigos, livros e capítulos. Sobre a importância de entrevistas para evolução de pesquisas, escreve Alberti (2013, p. 85-89):

A escolha dos entrevistados não deve ser predominantemente orientada por critérios quantitativos, por uma preocupação por amostragens, e sim a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado de sua experiência. Assim, em primeiro lugar convém selecionar os entrevistados entre aqueles que participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos. O processo de seleção de entrevistados em uma pesquisa de história oral se aproxima, assim, da escolha de “informantes”, em antropologia, tomados não como unidades estatísticas, e sim como unidades qualitativas – em função de sua relação com o tema estudado –, seu papel estratégico, sua posição no grupo, etc. (ALBERTI, 2013, p. 85-89).

Acreditamos que seja responsabilidade do pesquisador a constante preocupação com a veracidade de suas constatações e a busca pela originalidade, assim, para dar conta dos objetivos propostos nesta pesquisa, a bibliografia e as entrevistas são fundamentais, assim, ao tratarmos de ferramentas de investigação nesta pesquisa, buscamos base teórica nos autores acima e, entre eles, Durán e Pulido (2020, p. 259), quando escrevem que ao realizarmos uma pesquisa é importante a compreensão dos fenômenos e processos que envolvem esta pesquisa, necessária também a integração da realidade estudada no contexto histórico e social. No nosso caso, o contexto do nascimento e evolução do rádio em São Paulo que, aliás, só existe dentro de um contexto histórico e social, seja quando começa nos anos 1920, com as primeiras experiências, em um encantamento de todos que convivem com o meio; seja nos anos 1930, anos de exploração do meio; seja nos anos 1940, já de domínio da linguagem e de maior exploração comercial, ou seja, nos anos 1950, de absoluta consolidação. Em todos os momentos importantes, sociais, políticos, econômicos e culturais nas décadas de 1920 a 1950, o rádio esteve presente, e como diz o jargão do radiojornalístico ‘Repórter Esso’, é “Testemunha ocular da história”. Assis, esta pesquisa se justifica dada a necessidade de não se esquecer dessa preciosa história, a importância de analisar como surge o meio na “Terra da Garoa”, como evolui e como são construídas determinadas informações em momentos cruciais da história. Sem dúvida, ao resgatarmos a história do rádio paulista nestes 100 anos, achamos necessário fazer uma ponte dos anos 1920 aos anos atuais, como resistência ao esquecimento, tentando diminuir a velocidade de uma máquina midiática que faz questão de não informar, de não ter memória, de não construir uma identidade, de não deixar rastros. Sobre isso, escreve Bosi, citando Halbwachs (2007, p. 55):

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, “tal como foi”, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista (BOSI, 2007, p. 55).

E surge o rádio na Paulicéia: SQIG Sociedade Rádio Educadora Paulista

Há muita discussão em torno do rádio e seu uso para a cultura, para as artes, educação, ciência, para o entretenimento e informação, por outro lado, também seu uso para a guerra, para a má política, manipulação das massas, mas essencialmente o rádio é um meio plural, democrático, e que, para o bem ou para o mal, pode ser utilizado para vários interesses. Nessa perspectiva, a primeira década da radiodifusão paulista inicia-se a partir de 30 de novembro de 1923, com a fundação da SQIG – Sociedade Rádio Educadora Paulista e, segundo o documento Radio-difusão Cultural 1937, sua instalação oficial é considerada como sendo em 1925. Entretanto, segundo Pires (2000, p. 36), a primeira irradiação é em fevereiro de 1924 e, em 6 de março de 1924 irradia a primeira audição musical completa com um programa de grande valor artístico, executando Chopin, Haydn, entre outros clássicos. Em sua programação de 20 de agosto de 1924, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, aparecem óperas e operetas, intercaladas pela hora oficial e por boletins meteorológicos, fornecidos pelo Observatório Astronômico de São Paulo. A SQIG tem início com uma reunião de confraternização no Clube de Engenharia de São Paulo, sob a presidência do Diretor de Saneamento Rural do Departamento Nacional de Saúde, Dr. Belisário Pena.

Segundo manuscrito deixado por Mauro Pires, citado na dissertação de Mestrado de José Mauro Martins Pires (2000, p. 35-36), a iniciativa de fundação da emissora parte dos engenheiros Leonardo Jones Jr., Otávio Ferraz Sampaio, George Corbisier, Luiz Ferraz de Mesquita e do comerciante Luiz do Amaral César. As primeiras transmissões são feitas por um transmissor Pekam de 10 watts. Em 10 de dezembro de 1923, são aprovados os estatutos da Sociedade Rádio Educadora Paulista, que opera em uma das torres do Palácio das Indústrias, no Parque D. Pedro II. Sobre esta formidável novidade, escrevem Pousa e Yaguana (2013, p. 13):

A incessante motivação do ser humano para a inovação em todas as áreas e campos da ciência tem levado às experimentações, descobrir e aperfeiçoar uma infinidade de inventos. Um deles é a transmissão de informação através de ondas eletromagnéticas. Feito que apareceu vinculado diretamente à evolução da física, graças ao descobrimento da ionosfera, a qual ajuda a propagar os sinais em forma de ondas pelo espaço. A materialização disso é que em 2 de novembro de 1920, em Pittsburg, temos a primeira transmissão oficial, da Rádio K.D.K.A, primeira estação difusora de programação radiofônica programada e contínua (tradução nossa)1 (POUSA E YAGUANA, 2013, p. 13).


Figura 1
Foto das bodas de prata do casal Mauro e Celina Pires, com seus grandes amigos radialistas. Da esquerda para a direita: Dárcio Ferreira, Ivani Ribeiro, o casal Moraes Sarmento, Marilda e Ariowaldo Pires, Elói Teixeira e o casal Italo Izzo. São Paulo, 10 de maio de 1967.
Fonte: acervo pessoal de José Mauro Martins Pires (2000).

O rádio em São Paulo despontava sob a presidência de Edgard de Souza. Interessante observar que a SQIG tinha o nome fantasia de “Rádio Bandeirantes” (obviamente, não confundido aqui com a PRH-9 Rádio Sociedade Bandeirante de Radiodifusão, que é de 1937). Sobre estes primeiros passos de nascimento do rádio na pauliceia, já havia questionamentos sobre a utilização do rádio, e a sociedade se perguntava quais benefícios este meio traria. Os acadêmicos discutiam o seu uso para a cultura, para as artes, para a educação, para o mercado, para a política, aliás, questões estas que apareceram em todos os países, na Espanha, por exemplo, escreve Sande (2005, p. 23):

A radiodifusão surgiu como uma aplicação prática da radiotelefonia. Para que as primeiras emissoras comerciais se convertessem em um autêntico meio de comunicação, em veículo de transmissão de informação, entretenimento e cultura, foi necessário todo um desenvolvimento tecnológico prévio. Os avanços da ciência conduziram, ao final do séc. XIX, ao maravilhoso descobrimento da transmissão de sinais através das ondas (tradução nossa)2 (SANDE, 2005, p. 23).

O próprio Marconi, neste período de início do rádio, relacionava-o a uma necessidade de comunicação para governos, e de grande escala. O rádio foi pegando força como meio a partir do momento em que a tecnologia evoluiu e pode-se ouvir melhor, músicas, entretenimento de diversos tipos. Sobre isso, escreveu Briggs e Burke (2006, p. 156-157):

Ao voltar da Inglaterra, Marconi queria resultados rápidos. Quando fundou a Wireless Telegraph and Signal Company em 1897, se concentrou principalmente em planejar e vender equipamentos sem fio a clientes comerciais de grande escala e ao governo . Também tinha em mente a realeza: em 1897, cerca de 100 mensagens foram enviadas entre a raínha Vitória, de Osborne House, na ilha de Wight, e o iate real do príncipe de Gales, ao largo de Cowes, onde ele estava de cama, doente. Marconi não via o rádio como um meio de grande difusão. Na verdade nem usou a palavra rádio (BRIGGS E BURKE, 2006, p. 156-157).

Em outro trecho do livro Uma História Social da Mídia, continuando com o papel comercial do rádio visto por Marconi, Briggs e Burk (2006, p. 158), escrevem que Marconi continuou instigando a imaginação tanto dos norte-americanos quanto dos europeus, quando em 1901, enviou uma mensagem por transmissão sem fio a 3.200 quilômetros de distância através do Atlântico, da Terra Nova para a Cornualha.

A empresa Anglo-American Telegraph Company tinha o monopólio da telegrafia na Terra Nova e expulsou a equipe de Marconi da ilha, que na época era independente do Canadá. A publicidade subsequente não precisou ser inventada. Em 1904, a radiotransmissão chegou às manchetes quando foi usada para relatar a prisão do Dr. Crippen, um assassino que fugia da Inglaterra para o Canadá, por mar, com sua amante. Oito anos depois, foi a estação de Marconi el Long Island que captou as mensagens de SOS do Titanic, que afundava, e enviou as notócias para a Casa Branca. O operador foi um homem que mais tarde se tornaria famoso David Sarnoff (1891-1971) (BRIGGS E BURK, 2006, p. 158).

Percebemos então, que realmente o rádio desde o princípio, no início dos anos 1900 até chegar ao Brasil, oficialmente em 1922, e em São Paulo em 1923, sempre teve cunho comercial, mas naqueles anos da “São Paulo antiga” de 1923, os interesses dos empresários de rádio ainda são basicamente culturais e sociais, bem pouco comerciais. Entretanto, já vislumbrando o potencial comercial do rádio, a Educadora é a primeira a transmitir diariamente as cotações da bolsa em diferentes momentos do pregão. A rádio é sustentada pela mensalidade dos sócios, como aliás tantas outras pioneiras, e as transmissões não são contínuas. A escassa programação dos primeiros tempos inclui óperas e concertos, e os aficionados reúnem-se em torno dos poucos aparelhos receptores existentes. Em 1925, as transmissões passam a ser contínuas e a emissora adquire um caráter mais profissional. Desse período, ainda experimental, em uma reportagem especial sobre os 100 anos do rádio, escreve Oliveira (2019, n.p).

Foi em 7 de setembro de 1922, em pleno centenário da independência brasileira. Um discurso do então presidente Epitácio Pessoa e a ópera O Guarani, de Carlos Gomes, inauguraram as transmissões. A novidade deixou os ouvintes incrédulos, como testemunhou, em depoimento histórico, o radialista Renato Murce, falecido em 1987 e um dos pioneiros do rádio brasileiro (OLIVEIRA, 2019, n.p).

Sobre este momento, Oliveira, utilizando a fala de Renato Murce:

E o povo que se juntava na multidão do centenário, uma multidão incalculável, era pior do que São Tomé: estava vendo, ouvindo e não acreditando. Como é na que um aparelhinho pequenino, lá longe, sem nada, sem fios, sem coisa nenhuma, podia ser ouvido a distância. E ficava embasbacado.

Ali na SQIG nascem grandes artistas, técnicos e demais profissionais que entrariam para a história do rádio. Sobre o assunto, segundo José Mauro Martins Pires (2000, p. 41), citando uma fala presente nos documentos de Mauro Pires:

Foi o caso de Nicolau Tuma, o “speaker metralhadora”, que consagraria um modo único de transmitir futebol lance a lance; também o locutor (depois produtor) Raul Duarte, o humorista Gino Cortopassi, conhecido por Zé Fidelis, o “rei dos caipiras” Cornélio Pires, Oduvaldo Vianna, o cantor seresteiro Paraguassú, Walter Forster, o Barão Wilson Fittipaldi, Pilé, Raul Torres (cantor e compositor caipira de grande prestígio, com destaque para “Cavalo zaino”), os radialistas pioneiros maestros Erlon Chaves e Gabriel Migliori, sambista cearense Hélio Sindô, a autora de novelas Ivani Ribeiro, que na época é cantora de programa infantil. Segundo o radialista Mauro Pires, um dos nomes que mais trabalharam pela emissora é o do maestro e compositor Alberto Marino, naquele tempo um modesto músico violinista. Maestro Ítalo Izzo, Osmano Cardoso, cantor e radialista. Segundo o almanaque do rádio de janeiro de 1951, todas as vezes que ele vibrava seu violino, era obrigado a estar de costas para o microfone, senão o som encobria tudo, provocando inclusive a queda da estação (PIRES, 2000, p. 41).

Seja para aqueles que viveram os anos 1920, seja os que conheceram por pesquisas e contatos estes tempos de encantamento do rádio, a enorme surpresa foi quando a Rádio Educadora, já na rua Carlos Sampaio, contrói sua torre de transmissão à nos jardins da sede da emissora e passa a ter um dos mais bem montados estúdios de São Paulo, amplo, todinho atapetado, paredes forradas de celotex, grandes cortinas amortecedoras de som e muitas fotos, dentre elas fotografias de Carlos Gomes, Beethoven, Chopin, Wagner, Brahms etc. Citando documento manuscrito deixado por Mauro Pires [s.d], sobre a programação da Educadora:

A Educadora naqueles primeiros anos irradia os resultados de jogos internacionais realizados na Europa e no Uruguai, para a capital e inte rior do Estado de São Paulo; transmite também em 5 de dezembro, durante a noite, concerto do maestro Heitor Villa-Lobos, no Teatro Municipal; em 30 de junho de 1926 a PRA-6 inaugura modernas instalações, com aparelhos adquiridos da Western Eletric, na nova sede à rua Carlos Sampaio, 5; em 27 de setembro inicia um programa diário dedicado às crianças, apresentado por Tia Brasília, que era uma professora na época, intitulado “Quarto de hora da criança”; em 25 de novembro de 1926, ocorre a inauguração do novo estúdio, com transmissão conjunta com a Rádio Club do Brasil, do Rio de Janeiro, e conta com a participação de Guiomar Novaes e Bidú Sayão. A nova estação transmissora tem 1.000 watts de potência e duas torres de 55 metros cada uma. Trata-se da quinta experiência de transmissão simultânea por estações situadas a longa distância.

Em janeiro de 1929, as emissoras paulistanas mudam os seus indicativos e passam a ser PRs. A Rádio Educadora Paulista passa então de SQIG para PRAE e, em 17 de março, irradia a “Hora Regional”, tendo no comando Cornélio Pires, o “Rei dos caipiras”. O programa tem um grupo de pessoas chamadas de “caipiras legítimos” e apresenta a vida cotidiana do sertão, imitação de pássaros sertanejos, entre outras peculiaridades com este foco. Em 21 de setembro do mesmo ano, Oduvaldo Vianna apresenta palestras sobre o cinema falado. Aliás, Oduvaldo é uma história à parte do rádio paulista.

A Educadora é pioneira no radioteatro

É interessante observar que a Rádio Educadora foi quem lançou de forma pioneira o que seria mais tarde o “Cinema em Casa”, primeiramente na PRF-3 Rádio Difusora de São Paulo, inaugurada em 24 de novembro de 1934 e, posteriormente, com a compra dessa por Assis Chateaubriand, passa a ser transmitido pela mais poderosa emissora de rádio do Estado Paulo, a PRG-2 Rádio Tupi de São Paulo, inaugurada em 3 de setembro de 1937. Não resta dúvida que o programa “Cinema em casa”, criação de Otávio Gabus Mendes e dirigido, após a sua morte, pelo saudoso Walter George Durst, foi o precursor da teledramaturgia no Brasil. Durst foi, sem dúvida, o responsável pelo “andar da carruagem”, do radioteatro para teledramaturgia. Este programa, na mais poderosa emissora de São Paulo, segundo Mário Fanucchi em conversa com este autor, chocava pela forma revolucionária da narrativa. Os diálogos eram enxutos e não faziam concessões; as cenas se sucediam como cortes na montagem cinematográfica; os efeitos sonoros – alguns produzidos na hora e outros, fruto de cuidadosa pesquisa, previamente gravados em discos de acetato – contribuíam para aprimorar a fórmula. O resultado era o total envolvimento do ouvinte que, mesmo se num primeiro instante não entendesse bem algum detalhe da trama, acabava sempre por captar o essencial.

Fizemos este breve relato sobre o “cinema em casa”, pois acreditamos que realmente as primeiras experiências do que seria este programa, surgiram na Rádio Educadora. As palestras sobre cinema, dirigidas por Oduvaldo Vianna, além do conhecimento sobre determinados filmes, fomentava a cultura do que seria um gênero dos mais importantes, o radioteatro. Aproveitamos esta parte do texto para fazermos uma justificativa do porque da utilização desse termo, ou então peça radiofônica, e não radiodrama, é porque estamos seguindo o raciocínio de Sperber (1980, p.125-126), que escreve:

Embora a peça radiofônica contenha elementos dramáticos, épicos e líricos, e esta seja uma de suas características, não se podem levantar restrições contra a sua forma: pois mesmo a tragédia ática poderia ser vista como forma mista de teatro e poesia, de drama e lírica. Uma estética que trabalhe apenas com as categorias de drama, epopeia e lírica não fornece um caminho eficiente para se chegar à peça radiofônica, cuja forma é sui generis. Mas não deve nem pode ser dada aqui uma caracterização satisfatoriamente abrangente da peça radiofônica, e muito menos uma dramaturgia da peça radiofônica. Alguns dos seus traços mais importantes podem, contudo, ser esboçados, por exemplo: a peça radiofônica pode transformar o tempo exterior de uma ação em tempo interior; a peça radiofônica pode unir impulsionar e aprofundar a ação de forma associativa; a ação da peça radiofônica transcorre no palco interior (SPERBER, 1980, p.125-126).

Um aparte para o radialista Nicolau Tuma

É um dos mais brilhantes nomes do rádio brasileiro. É repórter policial no início do rádio, até vencer um concurso para ser locutor na Rádio Educadora Paulista em 1929, aos 18 anos. Tudo começa em 19 de Julho de 1931, quando tem a ideia da narração da primeira partida transmitida integralmente de jogo de futebol. Até então, as transmissões do futebol eram apenas boletins informando os principais lances dos jogos. Antes do jogo começar Tuma vai aos vestiários do campo do Floresta, no bairro da Ponte Grande, para ver e reconhecer os atletas quando da narração de São Paulo e Paraná, pois à época os uniformes não tinham números nas costas. Foi um sucesso amplificado no Vale do Anhangabaú pela Confeitaria Mimi, que pôs alto-falantes para reproduzir a transmissão. Tuma narra com detalhes e muito rápido todo o jogo, e é isso que o torna o “speaker metralhadora”. É difícil falarmos de Nicolau Tuma, dada sua importância para o rádio paulista e brasileiro, pois nunca conseguiremos dar conta, em texto, do trabalho desse pioneiro. Aliás, como disse acima, é o criador da transmissão do futebol como é conhecida hoje “narração em cima do lance”, e também criador do termo radialista, exatamente durante sua passagem pela Educadora. Posteriormente, trabalha também em outras emissoras, inclusive na grande Rádio Record de São Paulo. Segundo ele próprio em entrevista a José Mauro Martins Pires, que tive a honra de orientar, comenta que estando em um congresso de rádio no Rio de Janeiro, quando ele se referiu aos funcionários em rádio como radialistas, foi inquirido a explicar tal termo, pois, segundo este senhor não havia o termo no dicionário de língua portuguesa. Foi então, que Nicolau Tuma justificou dizendo que radi viria de rádio, e alista de idealista, o que retratava bem o profissional de rádio. O termo logo se popularizou.

Nos anos 1940, mais precisamente em 25 de janeiro de 1943, a Rádio Educadora, já decadente, é reinaugurada sob o nome de Rádio Gazeta, com o mesmo prefixo PRA-6 e o slogan “A emissora de elite”. Chega com uma proposta de orientação cultural em sua programação, mantendo um cast fixo de grandes nomes do canto nacional, grande orquestra sob a direção inicial do maestro Souza Lima e a cantora Vera Janacopoulos e, mais tarde, dos maestros Edoardo Di Guarnieri e Armando Abelardi, além de uma excelente jazzband, sob a regência do maestro Totó. Dessa fase de música fina, daí o slogan um pouco forçado, a emissora promoveu expressões como Cortina Lírica, Soirée de Gala e Música dos mestres. Quando começou a inserir na programação a música popular e apresentou os internacionais Ray Ventura e sua orquestra, Eva Garza, El Charro Gil. Entre os brasileiros, destacou-se o auge do reinado do baião, com Luiz Gonzaga.

PRA-6 Educadora e Gazeta

Impossível analisar a Sociedade Rádio Educadora Paulista sem se referir à também grande Rádio Gazeta, pois, herda o prefixo da Educadora quando o proprietário, o empresário Cásper Líbero assume a Educadora. A Rádio Gazeta realmente chega a grande estilo, com prédio próprio na Rua Conceição, mais tarde denominada Av. Cásper Líbero, em homenagem ao fundador da rádio, morto prematuramente alguns meses depois da fundação da Gazeta. Esta ostenta imponente palco-auditório e um grande salão auditório, além de um excelentíssimo restaurante com cardápio e chefs internacionais, que funcionou regularmente até 1965, momento em que o grupo empresarial, rádio e jornais, se muda para a atual sede, na Av. Paulista, 900. Nesse momento a emissora já irradia uma programação mais popular, sob a direção de Ita Ferraz e direção artística de Fernan do Borges. Com a mudança de programação e de localização, a Gazeta passa por reformulações e começa a atingir também um novo público, com alguns programas que marcam época, tais como: “Samburá”, com apresentação de Fernando Borges e Marlene Magaldi, vencedora de um concurso de locução feminina e um outro programa, também de grande sucesso, “A pedida é bossa”, com Mauro Pires.


Figura 2
Elis Regina sendo entrevistada no programa ‘A pedida é bossa’, de 12 de março de 1965. Ao fundo Denis Roberto Martins Pires.
Fonte: acervo pessoal de José Mauro Martins Pires (2000).

A Gazeta é uma das últimas rádios a se desfazer de sua excepcional discoteca e consolidar nomes, tais como: Elis Regina, Amilton Godoy, Paulinho Nogueira, Claudete Soares, Toquinho, Taiguara, entre outros.

Em conversa com José Mauro Martins Pires, em 2012, ele lembra que na Gazeta trabalhavam vários amigos citados por Mauro Pires, por exemplo, o programador Aguiar, cujo apelido é Dedé, que é o José Ogilvy Aguiar; o programador Aurélio, que é o Aurélio Belotti Filho; o chefe da discoteca Samuel Hiller; o programador Carlos Roberto da Silveira e os auxiliares, Fidelis Jacinto e Sérgio Albertini, que é também um grande tenor. Além disso, a rádio é uma das primeiras a mobilizar a classe estudantil em torno de música, no Teatro de Cultura Artística, no centro de São Paulo, no início da Rua da Consolação, um local com muito da história da comunicação de São Paulo, pois as rádios, os grandes jornais, todos estão naquele entorno. Realmente é muito importante falar da grandeza da Gazeta, do que foi e ainda é na atualidade, agora com muito mais concorrência e segmentação, do que nos anos 1930 e 1940. Tudo isso deve um pouco à experiência adquirida quando da compra da Educadora, mas também, sem dúvida, Cásper Líbero foi e é um desses homens visionários, que estão à frente do seu tempo.

Conclusão

Em São Paulo a radiodifusão inicia-se na SQIG Sociedade Rádio Educado Paulista, em 30 de novembro de 1923. Os dados colhidos se deram através da análise de documentos escritos deixados pelo radialista Mauro Pires, que passou para o seu filho Joé Mauro Martins Pires. Portanto, utilizamos as fontes primárias, memorialistas, escritas e fonte oral. O interessante aí é que antes do livro O Rádio com Sotaque Paulista, ninguém em São Paulo escreveu sobre as emissoras pioneiras, ou então escreveu muito vagamente. Mauro Pires viveu a história do rádio e a documentou em textos escritos. Ele se dá ao trabalho de minuciosamente escrever a história das rádios de São Paulo, capital, litoral e interior do Estado, desde o início nos anos 1920, até os anos 1950. Escreve sobre a abertura de novas emissoras ano a ano, durante quatro décadas, trabalho que não existe antes da publicação do livro citado. Além disso, documentou as programações mais importantes das emissoras, trazendo as grades organizadas por data e os grandes nomes do rádio que estão presentes principalmente na SQIG, nomes como Oduvaldo Viana, Nicolau Tuma, Nhô Totico, Walter George Durst, grandes orquestras, grandes obras, grandes momentos, e tudo isso passa pela pioneira Educadora.

Uma conclusão que chegamos é que quando a Gazeta adquire a Educadora, a impressão é que a Educadora desapareceria, mas ao contrário, a emissora cresce e Cásper Líbero amplia o cast, mantendo o caráter inovador que a emissora tem, portanto naquele momento, muitas outras emissoras já estão no ar em São Paulo, entretanto a Gazeta mantém o prefixo da Educadora e monta programas dos mais importantes da cena musical brasileira, tais como: Cortina Lírica, Soirée de gala e Música de mestres.

Outra questão que nos leva à conclusão a seguir, é o fato de que apesar das rádios terem grande preocupação cultural, artística e educativa, nem a Educadora nem as demais rádios pesquisadas deixam claro a que vieram. A impressão que nos fica é que realmente seus interesses são somente políticos e comerciais. Os empresários percebem rapidamente a grande propensão comercial do meio e sabem utilizá-lo.

Achamos impressionante o fato de José Mauro Pires, apaixonado pelo rádio e com programas importantes em emissoras paulistas, ter deixado documentos escritos tão precisos e de grande valor histórico, pois não havia publicações com dados corretos até 2014, quando do lançamento do livro O Rádio com Sotaque Paulista. Nesse sentido José Mauro Pires é um ícone da história do rádio no Estado, como historiador do meio.

Referências

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BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras: 2007.

BRIGGS, A.; BURKE, P. Uma história social da mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

FANUCCHI, M. Depoimento [Entrevista concedida a] Antonio Adami. São Paulo: 2013. Vários cassetes sonoros.

FIGUEIREDO, C. G. História Oral e Memória: significados e importância para a valorização das identidades e dos lugares. Revista Casa D'Italia. Juiz de Fora. Ano 3, n. 19, 2022.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

OLIVEIRA, J. C. 100 anos do rádio: pioneiros e primeiras transmissões. Rádio Câmara dos Deputados. Brasília: 01 de abril de 2019. Acesso em 05 de março de 2023. https://bit.ly/40o85Rw

PIRES, J. M. M. O resgate da história do rádio paulista AM – até anos 1960. 2000. 215 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista.

PIRES, J. M. M. Depoimento [Entrevista concedida a] Antonio Adami. São Paulo: 2014. Vários registros sonoros.

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SANDE, M. F. Los Orígenes de la Radio en España. Madrid: Fragua, 2005.

SPERBER, G. B. (org.). Introdução à peça radiofônica. São Paulo: EPU, 1980.

Notas

1 La incesante motivación del ser humano por la innovación en todas las áreas y campos de la ciencia lo ha llevado a experimentar, descubrir y perfeccionar infinidad de inventos. Uno de ellos es la transmisión de información mediante ondas electromagnéticas, hecho que apareció vinculado directamente a la evolución de la física, gracias al descubrimiento de la capa portadora de energía eléctrica llamada ionosfera, la cual ayuda a propagar las señales en forma de ondas por el espacio. Esto se materializó oficialmente el 2 de noviembre de 1920 en Pittsburg, con la emisión de radio K.D.K.A., primera estación difusora de una programación radiofónica programada y continua (no original).
2 La radiodifusión surgió como una aplicación práctica de la radiotelefonía. Para que las primeras emisoras comerciales se convirtiesen en auténtico medio de comunicación, en vehículo de transmisión de información, entretenimiento y cultura, fue necesario todo un desarrollo tecnológico previo. Los avances de la ciencia condujeron a finales del siglo XIX al maravilloso descubrimiento de la transmisión de señales a través de las ondas (no original).

Autor notes

Editora responsável: Maria Ataide Malcher

Assistente editorial: Aluzimara Nogueira Diniz, Julia Quemel Matta, Suelen Miyuki A. Guedes e Weverton Raiol

Declaração de interesses

Conflito de interesse

O autor declara que não há conflito de interesse



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