A VIGÉSIMA SEGUNDA
Resumo
A VIGÉSIMA SEGUNDA
Em meio a um contexto marcado por retrocessos que puseram, no fim do ano passado, segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os investimentos em ciência e tecnologia em um patamar inferior ao registrado no longínquo ano de 2009, editar uma publicação científica voltada a estudantes de graduação se torna, além de um desafio técnico-científico coletivo, uma resistência político-epistêmica.
Comumente associado à pós-graduação, o trabalho dos editores é discreto, contínuo e realizado por muitos braços e cérebros. Contudo, é necessário documentar que, mais do que nunca, a ação de organizar o fluxo de trabalho em um periódico permite condições mínimas para a sobrevivência (e não se fala aqui nem em progresso) da ciência em um país que, por falta ou insuficiência das políticas públicas existentes, presencia uma conjuntura que desestabiliza o trabalho de pesquisadores e pesquisadoras que atuam em prol da construção de um campo de conhecimento.
Nesse sentido, desde que voltou a circular, em 2018, a Iniciacom busca preencher uma importante lacuna ao possibilitar a circulação de conhecimentos produzidos no âmbito do campo da Comunicação na graduação. A manutenção de um espaço para a publicação de trabalhos desenvolvidos nas mais diversas formas de iniciação científica (artigos desdobrados de monografias, de projetos de pesquisa e de extensão e estudos produzidos nas mais diversas disciplinas) é uma maneira de incentivar as novas gerações a despertarem interesse pela ciência e pelo ensino, duas dimensões coletivas de construção de conhecimento cujos paradigmas vêm sofrendo ataques.
É o que faz a acadêmica de História Rebeka Katellen Santos do Nascimento, acompanhada pela orientadora, Suzana Cunha Lopes, vinculada ao campo da Comunicação, ao investigar no primeiro dos dez artigos desta edição – Iniciação científica: reflexões a partir do diálogo transdisciplinar entre Comunicação, História, Ciência e Docência – características transdisciplinares que perpassam a formação na História e na Comunicação. No estudo, escrito em primeira pessoa, aspectos transdisciplinares, que são explorados no texto justamente por uma pré-disposição em compartilhar a experiência com a comunidade acadêmica, interferiram diretamente no papel de formação da autora durante o estágio de docência.
Na sequência, no artigo A educação na checagem jornalística: os princípios da IFCN e a função didática do jornalismo, Victor Martini Gabry se debruça sobre os princípios da International Fact-Checking Network, instituição que seleciona agências de checagem e propõe um protocolo de verificação. Ao avaliar os papéis desempenhados durante as eleições de 2018 pelas agências Aos Fatos, vinculada à IFCN, e Fato ou Fake, pertencente ao Grupo Globo e que segue diretrizes próprias, o autor destaca o papel do jornalismo, sobretudo de iniciativas que valorizam a checagem, enquanto forma de conhecimento fundamental no contexto atual de desinformação. Também de olho nas eleições de 2018, Priscila Ferreira do Nascimento e Mirian Aparecida Meliani Nunes miram, em Os memes como influência nas eleições presidenciais de 2018: análise da página jornalística do Mídia Ninja no Facebook, o papel, senão decisivo para a decisão do pleito, significativo dos memes políticos na popularização de candidatos pouco conhecidos.
Desde a popularização da internet, aliás, os meios tradicionais vêm sofrendo com quedas nos índices de audiência e, por isso, buscam maneiras alternativas para narrar histórias. Rondeny Campos Froz, Renata Oliveira Maciel e Rodolfo Silva Marques assinam o artigo As mudanças no jornalismo esportivo televisivo no Brasil: o infotenimento e os “Cavalinhos do Fantástico”, que discute tensões entre informação e entretenimento no já clássico quadro da revista televisiva transmitida nas noites de domingo pela Globo. A renovação do público interessado nos gols do Fantástico, que passou a ser exibido ainda na década de 1970 e era pensado majoritariamente para o público masculino, é o principal achado: desde que o jornalista Tadeu Schmidt, entrevistado pelos autores, criou o quadro, em 2008, provocado pela ideia de que as pessoas já teriam tido oportunidade de ver os lances das partidas pela internet antes da exibição no Fantástico, mulheres e crianças passaram também a se interessar pelo assunto.
Se preocupações com o futuro estão presentes nos textos da revista, o passado também merece atenção. No quarto artigo da edição, A influência de Sebastião Salgado no fotojornalismo dos jornais o Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, Caroline Franciele Correia da Silva e Melissa Carolina de Moura realizam entrevistas com dois fotojornalistas para entenderem as contribuições do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
Narrativas de cunho sensacionalista merecem sempre espaço nas reflexões sobre os limites éticos do jornalismo. Em A construção de narrativas sensacionalistas: uma análise do caso Eloá, Antonio Batista Felix Filho e José Riverson Araújo Cysne Rios retomam a história do sequestro seguido por homicídio, em 2008, realizado por Lindemberg Alves, à época com 22 anos, que invadiu armado o apartamento da sua ex-namorada Eloá Pimentel, sete anos mais jovem, por não aceitar o término do namoro. No texto há avaliações sobre as falhas da imprensa na cobertura do caso, especialmente na espetacularização da história.
O racismo é o foco do artigo As Helenas de Manoel Carlos: o racismo estrutural nas telenovelas do novelista, de autoria de Francisco Ewerton Aleixo da Silva. O texto baseia-se no papel de Helena desempenhado pela atriz negra Taís Araújo, na telenovela Viver a vida, exibida em 2009 pela Globo. Ao recuperar personagens negros em nove telenovelas escritas pelo dramaturgo, separados por nome, profissão e personalidade, verifica-se que a maioria das atrizes e atores negros exerceram funções de empregados. Nesse sentido, o papel de protagonista vivido por Taís Araújo, entende o autor, não foi capaz de debater o racismo.
A questão de representação também foi foco do texto De princesa a sultana: a reapresentação da personagem Jasmine como instrumento de posicionamento de marca Disney, de Andrielle Alves Andrade, João Vinicius Santos Peixoto e Sílvia Gois Dantas. Por meio de uma análise de conteúdo, o trabalho compara as versões da animação criadas em 1992 e 2019. A ressignificação sobre o papel de protagonismo da personagem na última versão é entendida como uma estratégia de reposicionamento da marca Walt Disney.
Glória Rückert Jungkenn e Cleusa Maria Andrade Scroferneker voltam atenções para o mundo da comunicação organizacional no artigo Comunicação e humanização no contexto organizacional: Mercur em busca de um mundo bom para todo mundo. Por meio da técnica de entrevistas em profundidade do tipo semiaberta, as autoras procuram conhecer dimensões humanas na comunicação organizacional da Mercur, uma empresa que produz materiais na área de educação, saúde e tecnologia assistiva.
O último artigo da edição é Bienal de arte periférica: Um caminho Para Democratizar o Acesso ao Ensino da Arte, de Julia Santos Oliveira e Gabriela Andrietta. No texto, as autoras procuram argumentar sobre como a periferia se mostra cada vez mais promissora na disseminação de arte, educação e cultura própria.
Como bônus, a edição traz ainda uma entrevista realizada pela estudante Juliene Rosa de Araújo com duas especialistas, a primeira em Educação e a segunda na área de Psicologia, e uma mãe para debater A importância do diálogo e da Comunicação frente à educação sexual, título dado à entrevista.
Temas plurais, complexos e que cativam a juventude acadêmica brasileira da área da Comunicação. Esta é a vigésima segunda edição da Iniciacom, produzida por muitos pesquisadores e pesquisadoras, a quem sempre se deixam registrados sinceros agradecimentos.
Ótima leitura.