A TRIGÉSIMA PRIMEIRA

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  • Equipe Editorial

Resumo

O mundo tem acompanhado os processos de mudanças nos mais diferentes âmbitos sociais provocados pelo avanço da Inteligência Artificial (IA). E o Brasil, um dos países que mais aceitam e confiam na IA, conforme levantamento “Trust in Artificial Intelligence” (2023), atravessa esse momento com certa euforia.

Discussões como essa têm sido latente no âmbito das Ciências da Comunicação, no que se refere a pensar no crescimento de aplicações baseadas em IA na mediação e, inclusive, na execução de atividades humanas. Uma realidade que tem impactado o mundo do trabalho – como tem acontecido no Jornalismo, no Audiovisual, na Publicidade e Propaganda. E também tem promovido reflexões sobre os desafios éticos e a necessidade de se pensar na alfabetização para qualificação do público.

É inegável que a aplicação da tecnologia tem demonstrado mudanças dentro de um campo ilimitado de possibilidades. Por outro lado, a desigualdade digital por si só seria um dado relevante para questionar a finalidade e o próprio sentido do desenvolvimento tecnológico acelerado a partir de uma análise fundamentada nas desigualdades sociais. Será que nos falta noção a respeito da importância da automatização de dados nas diferentes esferas da vida social ou estaríamos entusiasmados demais para entender o quê, de fato, é a IA?

É dentro dos questionamentos, das incertezas e das contradições que a INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, enquanto entidade científica que tem papel fundamental na luta em defesa da pesquisa na área de Comunicação e do ensino superior de qualidade no Brasil, propõe pensar o tema “Comunicação em tempos de inteligência artificial: ampliação ou redução das desigualdades sociais?” em seus congressos.

Durante todo o ano de 2024, a entidade tem provocado a comunidade acadêmico-científica, de norte a sul, a pensar a IA e como esse fenômeno tem impactado a Comunicação, além de refletir seus desafios no enfrentamento das desigualdades. Esse tem sido, desde então, tema basilar, inclusive, nos espaços formativos como a Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, o nosso Intercom Júnior, e a Iniciacom – Revista Brasileira de Iniciação Científica em Comunicação Social.

Em sua trigésima primeira edição, que marca os seis anos ininterruptos após o retorno da publicação em 2018, a Iniciacom instiga pesquisadores e pesquisadoras juniores de todo o Brasil, principalmente, com a publicação do dossiê de mesma temática dos congressos da Intercom em 2024. E com esse ensejo, recebemos trabalhos sobre temas que, de alguma maneira, representam um pouco da diversidade de problemáticas que movimentam as discussões sobre comunicação no Brasil.

Este dossiê temático traz sete trabalhos que investigam assuntos sobre a utilização de dados como ferramenta de ativismo e emancipação, comportamento de jovens nas plataformas digitais, competências midiáticas e educação para as mídias, além de análises das narrativas nas plataformas de mídia e desinformação. Temas que, de uma forma ou de outra, se somam às discussões sobre IA e nos ajudam a pensar na provocação do tema de 2024.

O artigo “O uso de dados como uma ferramenta de ativismo e emancipação social: uma análise de levantamentos feitos por favelas do Rio de Janeiro”, de autoria de Maria Alice Santos Freire e Raquel Paiva, discute como o ativismo baseado em dados pode ser uma ferramenta a favor da ação cidadã em comunidades faveladas do Rio de Janeiro. A pesquisa combinou revisão bibliográfica com análise de dados quantitativos e qualitativos coletados em levantamentos comunitários. Demonstra, por fim, como a mineração de dados pode ser utilizada para identificar problemas sociais e mobilizar a sociedade civil no fortalecimento da luta por direitos.

Em busca de reduzir problemas e auxiliar na compreensão do conhecimento nas mais diversas camadas sociais, faz-se importante refletir como se dão os processos de comunicação na sociedade da informação. O artigo de Arthur Santana Domingues e Matheus Disraeli de Souza Amado, “O Instagram Stories como ferramenta comunicativa: uma perspectiva de adolescentes nordestinos durante a semana e o fim de semana”, analisa as interações de adolescentes entre 12 a 18 anos, da região do nordeste, com a ferramenta Stories do Instagram, cujo objetivo é obter uma perspectiva subjetiva sobre as formas de utilização, as perspectivas e as reações desses usuários. Os achados apontam que, dos adolescentes entrevistados, o uso do Instagram Stories é para compartilhar o cotidiano e interagir. E a frequência de uso varia com o tempo disponível e preferências individuais, e enriquece a compreensão do comportamento nessas plataformas digitais.

Diante da discussão que envolve a atenção dos jovens nas plataformas digitais, é essencial que examinemos como esse público tem buscado se informar diante das transformações impulsionadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). A pesquisa desenvolvida por Kamilla Abely Dias Gomes, Victor Xavier, Mercia Pimentel e Vitor Braga, intitulada “Do Choquei aos meios tradicionais: uma investigação sobre como adolescentes alagoanos se informam em um contexto de convergência”, investiga o consumo informacional de adolescentes no atual contexto midiático. A análise de conteúdo de entrevistas com estudantes do ensino médio de Maceió/AL demonstra que a utilização das mídias sociais é o principal meio desse consumo, o que abre a necessidade de um letramento midiático familiar para consumir, avaliar e circular informações de forma crítica.

No bojo das discussões sobre acesso às mídias digitais, se faz importante indagar, por exemplo, como novos hábitos são adquiridos a partir do consumo de conteúdos distribuídos nessas plataformas. O trabalho “Competências Midiáticas e o Papel das Mídias Sociais na Promoção da Leitura entre Jovens”, de autoria de Maria Laura Soares Rosa e Roseane Andrelo, analisa como as competências midiáticas relacionadas às mídias sociais podem influenciar e incentivar o hábito de leitura entre os jovens, com ênfase no impacto que os influenciadores e influenciadoras digitais exercem no "Booktok" do TikTok. Como metodologia, foram realizados três percursos: pesquisa bibliográfica, análise de conteúdos veiculados por influenciadores e aplicação de questionários em escolas de ensino médio, pública e privada. Como principal resultado, pode-se observar as competências midiáticas como ferramentas para incentivar a leitura.

Dentro da perspectiva da educação para as mídias, o artigo “O potencial da gamificação como instrumento para a Educação Crítica para as Mídias no Ensino Superior da área de Comunicação e Informação”, proposto por João Victor dos Santos Oliveira, Yuri Neri de Azeredo Correia e Alexandre Farbiarz, discute o potencial da gamificação na Educação Superior na área de Comunicação e Informação no Brasil. A partir de um levantamento bibliográfico, os autores analisaram publicações acadêmicas que apresentam práticas gamificadas em cursos da área, suas aplicações e resultados em sala de aula. Observou-se, por fim, a viabilidade de utilizar de práticas gamificadas na Educação Superior como ferramenta de Letramento Crítico Midiático, além disso, os educandos se mostram mais engajados e participativos em disciplinas mais lúdicas. A pesquisa “Erros no Progresso: Análise Semiológica das Narrativas do Canal de YouTube Ciência Todo Dia Centradas no Ser Humano”, de Cecilia Sizanoski Sanchez, estabelece uma estrutura narrativa dos vídeos que têm o ser humano como personagem central nos vídeos do Ciência Todo Dia, canal de grande visibilidade no YouTube. A partir de matrizes teóricas de Barthes, Saussure, Benveniste, Culler e Propp focadas em estrutura narrativa, semiologia e linguística, as autoras analisaram 15 dos 302 vídeos publicados no canal, entre 2013 e 2021. Assim, foram encontradas três linhas narrativas que se diferem pelas características dos erros cometidos pelo ser humano.

A entrevista “Os desafios da comunicação em tempos de desinformação e inteligência artificial”, desenvolvida com a professora Dra. Ana Regina Rêgo pelo estudante Gustavo Paulo Zonta, sob orientação do professor Gustavo Paulo Zonta, ambos da Universidade do Vale doItajaí (Univali), instituição que sediará o 47º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2024).

Na entrevista, a professora Ana Regina Rêgo, conferencista do congresso, discute o trabalho realizado pela Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) diante do crescimento do mercado da desinformação. A discussão aborda, ainda, temas transversais como o debate sobre a regulamentação das plataformas digitais no Brasil e os desafios diante do avanço da inteligência artificial no campo da Comunicação.

Além dos sete trabalhos citados, a 31ª edição da Iniciacom traz artigos de temática geral que abordam uma variedade de discussões que contribuem com a discussão proposta, como é o caso do trabalho “Papel e Poder: entre a obediência e a resistência impressa no regime nazista” da estudante Andressa Sendon Gomes. O objetivo principal é discutir os usos da mídia impressa durante o regime nazista. Para isso, por meio de uma pesquisa documental e bibliográfica, constatou-se que a mídia impressa hegemônica foi essencial na formação de uma opinião pública favorável ao regime nazista. Por outro lado, os impressos de resistência também se mostraram hábeis em disseminar informações e reafirmar a existência e a memória dos grupos perseguidos e oprimidos.

Frente às discussões sobre hegemonia e poder, a desinformação representa uma vertente de violência e articulação política, e suas consequências são graves, sobretudo para grupos historicamente marginalizados. Através da produção discursiva antissemita de Kanye West, o estudante Kenzo Yoshida Soares busca explorar a repetição histórica na utilização da desinformação, discursos de ódio e teorias da conspiração nas entrevistas no trabalho intitulado “A Desinformação, Antissemitismo e Discurso de Ódio de Kanye West”. Por meio da análise do discurso de duas entrevistas do rapper para canais estadunidenses, verificou-se a utilização de teorias antissemitas, utilizadas para vitimizar os autores em relação a um poder midiático opressor.

Ainda sobre a desinformação, agora relacionada ao âmbito midiática brasileiro, as estudantes Brenda de Sousa Rodrigues, Rawena Lúcia Sousa de Brito, justamente com o professor Isael de Sousa Pereira analisam a desinformação no episódio "Fake News Mata" do Linha Direta, da Rede Globo, no artigo “Os malefícios da desinformação: uma análise do episódio ‘Fake News Mata’ do Programa Linha Direta (2023)”. A pesquisa constatou que a desinformação é tão prejudicial à sociedade que é capaz de ceifar vidas e deixar marcas inapagáveis.

No âmbito político, para além do seu papel de crítica e questionamento, os memes têm sido ferramentas de expressão, principalmente, de emoção e sentimentos. Por esta perspectiva, Isabela Novelli Maciel, no artigo “Emoção e política: expressão de sentimento em memes políticos produzidos durante o governo Bolsonaro (2019-2022)” analisa como os memes que retratam acontecimentos políticos do governo Bolsonaro indicam emoções. Para isso, o trabalho analisa memes publicados no jornal Folha de S. Paulo a partir da ótica dos estudos de memes, enquadramento e emoções na política. Observou-se, por fim, que memes atuaram como forma de expressão sobre acontecimentos políticos, por meio de emoções como alegria, humor e ódio.

Os dois últimos trabalhos desta edição trazem contribuições efetivas que se referem aos discursos de marcas e estratégias de comunicação e mobilização social. Bionda de Paula Ferreira e Paula Daniele Pavan, no trabalho “Empoderamento, representatividade e contradição: os fios no discurso da marca Salon Line” analisam como a marca Salon Line usa o empoderamento feminino e a representatividade do cabelo crespo e cacheado como estratégia de comunicação no Instagram. Através da análise do discurso dos recortes sob a ótica pecheuxtiana, os achados demonstram que a noção de empoderamento, para a marca analisada, significa ser livre para usar os cabelos para além dos padrões, uma noção contraditória, uma vez que divide suas linhas para cabelos crespos e cacheados em um perfil separado da linha de produtos para cabelos lisos.

Por último, e não menos importante, o artigo “Estratégias de mobilização e comunicação: análise das ações da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) em resposta às enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul”, de Gabriel Ferreira Pedroso, Denise Avancini Alves, Fabiane Sgorla e Ana Cristina Cypriano Pereira, analisa a mobilização da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) frente às enchentes em 2024 no Rio Grande do Sul, perante a midiatização. Por meio de uma pesquisa documental, foram identificadas as estratégias de comunicação e ações da Agas e relacionadas ao mapa tridimensional de públicos. As ações encontradas integram a campanha “Ajuda Sul” e, apesar de estarem ligadas ao mesmo público do mapa, demonstram diferentes segmentações e objetivos.

Certamente todas as contribuições apresentadas nesta edição abrem caminhos possíveis que nos ajudarão a refletir a respeito do tema deste dossiê e, também, sobre outras questões relacionadas ao fenômeno comunicacional. Por assim dizer, a consolidação da Iniciacom nos últimos anos provam que não há idade e nem título para pesquisar; mais ainda, confirmam que ainda precisamos ouvir os/as estudantes de comunicação, suas propostas, análises e contribuições.

Que esta publicação inspire essa e outras gerações a visualizarem nas Ciências da Comunicação a possibilidade de mudança e transformação. Excelente leitura!

 

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Publicado

2024-09-05

Edição

Seção

Apresentação