Adísia Sá, uma biografia

Autores

  • Maria Erica de Oliveira Lima

Resumo

Título: Adísia Sá, uma biografia Autora: Luiza Helena Amorim No. de páginas: 128 Editora: Omni, Fortaleza/CE www.omnieditora.com.br Em 29 de novembro de 2005, os principais veículos de comunicação de Fortaleza/CE registraram o lançamento do livro Adísia Sá, uma biografia, Editora Omni, da então jornalista e escritora de primeira viagem Luiza Helena Amorim. A obra foi resultado do Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo apresentando na Faculdade Integrada do Ceará (FIC), tendo como orientador o professor Alejandro Sepúlveda. Na XII EXPOCOM 2005, realizada no Rio de Janeiro, a obra foi agraciada com o terceiro lugar na categoria Livro-Reportagem. A história da jornalista Adísia Sá é contada por Luiza Amorim de maneira intimista, com traços de jornalismo literário que busca, desde a infância, traçar um perfil dessa que é considerada uma expoente, pioneira e porque não, inovadora, de sua época, do jornalismo cearense e brasileiro. O livro se inicia com uma inquietação da própria autora sobre a vida da jornalista e professora para além das redações e salas de aula. No começo, fica no ar um suspense, do primeiro contato, se Adísia iria autorizar ou não que sua história fosse escrita. Luiza Amorim descreve com maestria o seu nervosismo, a primeira abordagem e o diálogo direto com Adísia. O encontro, a recepção, descreve seu apartamento: móveis, estante, livros, medalhas, objetos da cultura judaica, ao mesmo tempo, que presencia uma cena da jornalista cumprimentando uma criança, que é seu vizinho, de maneira doce e delicada. Depois deste fato, inevitável, Luiza Amorim pergunta se ela gosta de criança... e Adísia diz que não. E assim que se inicia o olhar da escritora. Luiza observa tudo em seu apartamento, os detalhes, tem vontade de adentrar pelo resto do imóvel, percebe a decoração, o barzinho de bebidas, as cadeiras da mesa... uma busca constante de revelar, por si só, Adísia Sá. Conseguirá a autora esse feito? O que os alunos, amigos de profissão, os cearenses em geral, conhecem desta mulher miúda ? O que sabem da Adísia Sá enquanto história de família, desafios, conquistas? Qual imagem separa entre o público e o privado? Adísia foi a primeira mulher a trabalhar como jornalista numa redação no Ceará. O ano era 1955 no jornal Gazeta de Notícias. São 50 anos de profissão. 75 anos de vida. E segundo Adísia, em próprio depoimento no livro, sem arrependimentos. A obra procura mostrar a jornalista e professora de maneira diferente da figura pública. De linguagem intuitiva, sensível vai mapeando histórias, passagens, sentimentos, pessoas. A figura doce e presente do pai. A força e luta da mãe. Os irmãos. As brincadeiras da menina. O gosto pela leitura. A personalidade forte que vai se mostrando diante de tudo e de todos. Em entrevista ao jornal O Povo (2005) Adísia diz: Luiza me desmitificou. Foi entrando em minha intimidade e percebeu tudo. Captou, mais do que a memória, um pouco da minha alma. Esse também é o sentimento que temos à medida que avançamos na leitura. Uma leitura que se faz voraz de tão gostosa de ler. Percebemos nas entrelinhas e nas linhas da obra que o primeiro desafio de Luiza Amorim foi mesmo falar com Adísia. Depois tendo que abordar sua vida pessoal, respeitando o limite de sua privacidade e buscando separar o que seria de interesse público e que seria particular. Adísia tem uma história de dedicação e amor pelo jornalismo. Uma trajetória que poderia se perder se não fosse agora a publicação de sua biografia autorizada. Em 1994, Adísia inaugurou a função de ombudsman no jornal cearense O Povo, fato esse muito bem relatado no livro. Foi reconduzida no ano seguinte. Voltou a exercer a função por outras duas vezes: 1997 e 2000. Hoje é ombudsman emérita do jornal. Também possuiu mesma função no rádio AM do Povo, nos anos de 1998 e 1999. A professora Adísia, tratamento que todos lhe dedicam, e também de preferência da biografada, foi à pioneira, juntamente com outros colegas, a implantar o primeiro curso de Jornalismo no Ceará. A partir de sua iniciativa, organizando o Grupo Fundador do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), toda a nova geração de jornalista, de certo modo, seria filhos e filhas de Adísia. A obra destaca o início de sua carreira na Gazeta de Notícias, revelando seu descobrimento para o jornalismo, comunicando sua decisão junto a família, para tristeza de sua mãe que não desejava de maneira alguma, pois para Adísia estava reservado o destino de muitas mulheres de sua época: casar e ter filhos. Verdade seja dita, ainda bem que Adísia buscou outro caminho. Feliz de nós e feliz do Jornalismo. E como ela mesma avalia sua trajetória, seja no livro ou nas entrevistas que concede, se diz muito satisfeita com o fato de ser gente - preocupação constante de sua mãe. Adísia reflete: 'sou a mulher que sempre quis ser'. Aliás, reflexão é a palavra certa para descrever várias passagens do livro. Afinal, Adísia filósofa interpela sobre Deus, família, valores, existência e morte. Uma das passagens mais interessantes da obra é sua reflexão sobre Deus e morte. A questão da transitoriedade. De fato, o que é permanente é a transitoriedade, assim diz Adísia filósofa. Abre caminho para o leitor conhecer melhor sua aproximação com o judaísmo. E vai nos envolvendo em sua personalidade forte, paradoxal e apaixonada. Quando pensamos que descobrimos tudo sobre Adísia, mais surpresas pela frente. A jornalista que começou na década de 50, ainda passou pelo jornal O Estado, O Dia, até fixar-se no O Povo, no qual continua até hoje com sua coluna semanal. Foi comentarista em várias emissoras de televisão, atualmente atividade que exerce, diariamente, na AM do Povo. Por isso, Adísia Sá está no (in)consciente coletivo do cearense. Todos a conhecem. E se não a conhecer, como diz na obra de Luiza Amorim, fica aborrecida! A jornalista também ocupou diversos cargos de direção em entidades de classe: Associação Cearense de Imprensa, Sindicato dos Jornalistas do Ceará e Federação Nacional dos Jornalistas. Contudo, uma revelação interessante é descortinada na biografia: decepção por não ter conseguido ocupar uma cadeira na Academia Cearense de Letras. Por questões de força maior, como a política, em que ela mesma relata, não conquistou a imortalidade mortal. Mas, será que faltaria esse reconhecimento por parte da Academia a Adísia? Como escritora publicou 'Metafísica para quê?', 'Fenômeno Metafísico', 'Introdução à Filosofia', 'Ensino de Jornalismo no Ceará', 'Biografia de um Sindicato' - sobre o Sindicato dos Jornalistas do estado - 'Capitu conta Capitu' - no qual permite que a própria Capitu, personagem de Dom Casmurro, de Machado de Assis, conte a sua própria versão e perspectiva, sob o olhar do feminino - 'Clube dos Ingênuos' - sobre sua experiência como ombudsman - 'Traços de União' - sobre a história de família do fundador do jornal O Povo - e o 'Jornalista Brasileiro'. Como ela mesma diz na obra de Luiza, 'há tantos escritores medíocres' que conseguiram um espaço na Academia, que claro, por sua contribuição e dedicação, nada mais justo... Contudo, Adísia já está imortalizada no Jornalismo! A luta pelos direitos dos cidadãos também foi marca constante da menina e mulher Adísia. Em depoimento ao jornal O Povo (2005), Ivonete Maia, jornalista e amiga pessoal da biografada, diz: 'Adísia falou por muita gente que não tinha voz'. Mas, em passagens importantes do livro, Luiza Amorim resgata que tentaram, por algumas vezes, calar a sua voz... Buscar a vida pessoal, o panorama familiar de uma tradição da 'tribo dos Sá' - como está descrito no livro - suas relações com o magistério e o 'casamento' com o jornalismo, não foram tarefas fáceis. A vida pessoal, como a própria biografada gosta de citar, está diretamente ligada ao profissional: 'só tive um amor e me mantive fiel a ele. Não foi fácil, porque quando você escolhe um caminho, há tantas veredas, que às vezes você é levado a sair do seu caminho. E tão difícil a fidelidade a um amor, imagine se eu tivesse vários' (ARAUJO, 2005). Quando Adísia fala do jornalismo no livro, sentimos que seus 'olhos brilham' - sensação que temos. Luiza Amorim explora muito bem essas passagens. Vai ao fundo com as saudades, os encontros, as lutas e personalidade da biografada: Quem não a conhece diria: 'Quanta frieza na alma!' Engana-se. Ela é terna e carinhosa, a seu modo. Toda sua trajetória foi humana, seus sentimentos mais nobres, se preocupou em fazer denúncias e brigar pelos direitos dos cidadãos. O problema parece ser o tempo que lhe foge rapidamente. A vida urge. Já está aqui há 75 e tem muito ainda há fazer! A mente é inquieta, fazendo uma coisa e já pensando em outra - trecho do livro em que a autora coloca suas impressões. Não podemos deixar de refletir acerca da passagem, ainda jovem, em colégios de freira. Desde os tempos de escola, ensaiava seus atributos como escritora. Quando morava na pensão de seus pais, via circular uma infinidade de jornalistas, homens das letras, em animadas discussões sobre pautas, 'furos' e características da profissão. Naquela ocasião, escrever passou a ocupar todo o seu tempo. Até produzia seu próprio jornal: MABS - iniciais de Maria Adísia Barros de Sá. Passou a escrever mais e mais. Adísia já havia escolhido, sem saber ainda, o seu próprio futuro e escreveria seu destino como jornalista. Contudo, um fato é muito curioso ao leitor quando no Colégio Imaculada Conceição, lhe causou imensa dor. A Irmã Maria Montenegro rasgou uma seleção de contos de Adísia, alegando serem escritos fruto de algo que 'a jovem desconhecia'. No livro, percebemos a emoção que a jornalista não conseguiu conter. Em outro trecho lamenta a atitude da religiosa e diz: 'ela não tinha o direito de rasgar. De destruir o trabalho de uma profissão. Quem sabe eu tivesse sido até escritora?'. Porém, mesmo com todo o constrangimento e vergonha, Adísia não desistiu de escrever. Ingressou, portanto, os estudos de filosofia, e antes mesmo de se formar, já frequentava as rodas intelectuais da cidade de Fortaleza. Luiza Amorim descreve esse ambiente, cita nomes de pessoas ilustres e, em pouco tempo, estava Adísia no magistério dando aulas de filosofia e história em alguns colégios da capital. O sucesso no magistério deixava o jornalismo em segundo plano, até que surgiu o convite e a oportunidade para entrar na redação da Gazeta de Notícias. Importante falar também do pioneirismo. E quando fala sobre o assunto, não tem falsa modéstia: 'mas alguém tinha que ser a primeira. Foi uma coincidência, como diria Maquiavel, eu estava naquele momento, naquele local e na hora exata' (ARAUJO, 2005). Na história de Adísia, Luiza Amorim cita em um capítulo a parte, no qual a jornalista não se intimida a revelar: 'sente falta de uma rua com seu nome'. Em outra passagem, busca definir Adísia por si própria: 'Eu sou assim mesmo arisca às amizades, esquecida de manifestações de carinho, aos gestos de cativar as criaturas. Ou gostam de mim com essa cara que Deus me deu, ou não gostarão de outra maneira'. Por fim, vale muito ver as fotografias contidas no livro, desde criança, no exercício do jornalismo, em palestras, salas de aula, com personalidades da história local e nacional. Também como forma de apêndice, digamos assim, vários escritos em forma de artigo/depoimentos de amigos, colegas de profissão, ex-alunos. Ao ler a biografia de Adísia Sá podemos pensar que estamos diante de um personagem. As vezes parece ser mesmo um personagem! Neste sentido, que a própria Adísia faz essa confidência: '(...) me sinto uma personagem. Penso que essa não sou eu, que devem estar falando de outra pessoa' (ARAUJO, 2005).

Biografia do Autor

Maria Erica de Oliveira Lima

Jornalista, Doutora em Comunicação Social e Pesquisadora do Núcleo Mídia Regional ao Global, Umesp.

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Publicado

2007-05-17

Edição

Seção

Resenhas