A Vigésima Terceira

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  • Equipe Editorial

Resumo

A VIGÉSIMA TERCEIRA

Não é incomum em aulas de ética que uma analogia seja feita para estabelecer contraste entre um erro e suas implicações. Do alto de um arranha-céu, uma pessoa rasga um travesseiro de penas. Com leveza, quase que com preguiça, elas se espalham pelos quatro cantos da cidade. Então ocorre o arrependimento, prontamente seguido por um desafio: recolhê-las e reconstruir o objeto. Uma tarefa, como aponta a moral da história, dispendiosa e incapaz de corrigir plenamente o erro original. O travesseiro jamais será o mesmo, nem a consciência de quem irá usá-lo para dormir.

 

Quando se pensa em desinformação, tema central desta edição da Revista Iniciacom, a ideia de erro e consequência presente na analogia acima pode ser útil. Fenômeno antigo e que tem ganhado contornos singulares em tempos de redes e atores sociais pouco convencidos da importância da manutenção das regras e princípios democráticos, a desinformação traz implicações de um tipo de ação incorreta desde sua gênese. Em vez de um ponto centralizado – como o alto de um prédio –, essa rede se cria e se espalha rapidamente a partir do invisível e contaminante sistema de esgoto. Entre os dejetos, as penas perdem propriedade. Convencido de que vale qualquer regra, o autor do erro, sem qualquer constrangimento, terceiriza o conserto a jornalistas, cientistas, educadores e outros grupos interessados, enquanto encontra outro travesseiro para dormir em paz.

Se a moral da analogia inicial versa sobre evitar o erro e, quando não possível, trabalhar muito para consertá-lo, na última o segredo parece ser impedir o sono tranquilo do responsável antes da ação. E este é um dos principais esforços centrais presentes nos textos que integram o dossiê Ciências da Comunicação contra a desinformação, o primeiro organizado pela Iniciacom, lançado durante o 45° Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa.

Pelo desafio de construir um dossiê a partir de pesquisas produzidas na graduação, acompanhar o processo de construção desta vigésima terceira edição foi gratificante. Não apenas porque houve a possibilidade de interagir com discussões propostas por jovens pesquisadores e pesquisadoras, mas, principalmente, por estabelecer um processo de sinergia e aproximação com as discussões realizadas ao longo de evento.

Nesse sentido, a edição envolve duas perspectivas: o primeiro bloco é composto por nove textos cujos objetos de investigação estão interligados ao tema do dossiê e do congresso, finalizado com uma entrevista, produzida pelas estudantes Juliana Alves e Geovanna Nascimento, sob orientação das professoras Fabiana Siqueira e Norma Meireles, com o conferencista de abertura do congresso da Intercom, o professor Eugênio Bucci. Por último, o(a) leitor(a) encontra uma sessão de produções científicas que remetem a discussões com foco no campo da comunicação.

Ciências da Comunicação contra a desinformação

O dossiê abre com o texto As redes sociais e a batalha contra as fake news: estudo da campanha #PrometoPausar da ONU, de autoria de Ana Beatriz Castelo Branco Soares, com orientação de Joana d’Arc Bicalho Félix. A partir de publicações feitas no Instagram da ONU Brasil, as autoras procuram compreender aspectos sobre disseminação da informação relacionada a campanha. A metodologia utilizada é uma análise de conteúdo, classificando as observações por tipo, além de usar métricas para avaliar as interações.

A partir da teoria da Espiral do Silêncio, Joice Nascimento, Kennedy Carneiro, Yasmin Oliveira e Ingrid Pereira de Assis investigaram tweets de perfis de extrema direita. O texto Limites da liberdade de expressão: a instrumentalização da Teoria da Espiral do Silêncio para propagar desinformação e discursos de ódio no Twitter investiga a apropriação desse aporte nos discursos executados nessa rede social. As plataformas digitais de comunicação também estão presentes no texto A alegoria da caverna e sua relação com a ação dos algoritmos nas plataformas de mídias sociais, assinado por Ana Clara Lemos, Rafael Simões e Marcela Bastos.

O jornalismo enquanto eixo de sustentação para ações relacionadas à desinformação. Essa é a proposta de Igor Cordeiro, no artigo Jornalismo Profissional: instrumento de combate à desinformação na era da comunicação digital. A procura é por mostrar o quanto o jornalismo tem um papel fundamental no embate contra o consumo de conteúdos fraudulentos. Em tema que também dialoga com o jornalismo, mas agora com o on-line, Bárbara Lauria e Patrícia Sena usam de análise do discurso para produzir o texto O discurso político no jornalismo online do O Imparcial: a democracia digital a partir da interatividade. O recorte envolve notícias de política publicadas no portal on-line do jornal O Imperador, entre 2019 e 2020.

As questões que envolveram a covid-19 foram palco para boa parte do que se produziu a respeito de desinformação, afetando o comportamento das pessoas em relação a pandemia. Os artigos Teorias conspiratórias sobre covid-19 e o ressentimento: autoengano, impotência e formação de crenças ilusórias”, de Gabriel Gomes e de seu orientador, Paulo Vaz, e Divulgação da ciência na 2ª onda da pandemia: a cobertura sobre pesquisas científicas da covid-19 no portal D24AM, de Célia Souza e Cristiane Barbosa, auxiliam a compreensão sobre como publicações falsas em portais da internet e os serviços de checagem atuaram e impactaram as pessoas e suas relações psicossociais.

Fechando os textos que envolvem o dossiê temático, duas questões relevantes são abordadas: O papel ético das Relações Públicas na desordem da informação: um caminho para a descolonização do olhar, de Liliane Costa e André Tropiano, e A Sputnik Brasil como ferramenta de propaganda russa sobre a guerra da Ucrânia, de Luan Oliveira e Lídia Ramires. No primeiro são discutidas questões sobre práticas profissionais envolvendo Relações Públicas, informação e inclusão social, enquanto no segundo há uma análise sobre a produção de discurso feita a partir dos conteúdos veiculados nos portais G1 e Sputnik Brasil.

 

Fruto de uma articulação com a coordenação local responsável pela organização do 45° Congresso da Intercom foi produzida uma entrevista com o conferencista de abertura do evento, Eugênio Bucci, que é professor titular na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). O pesquisador, que desenvolve estudos  nas áreas de informação e cultura democrática, ética e imprensa, comunicação pública e superindústria do imaginário, aborda na entrevista assuntos como desinformação, atuação das grandes mídias, combate as fake news e a atuação dos jornalistas no contexto da desinformação. Este trabalho, considerado como inovador pelos editores, deverá acontecer a partir de agora também em outras oportunidades – sempre em ação conjunta com a organização de cada congresso.

Temas livres

Sem deixar de abrir espaço para temas gerais, correlacionados às ciências da comunicação, a Iniciacom traz nesta edição seis textos nos quais cinema, resistência, cidadania, memória, telejornalismo e mulheres negras, redes sociais e imagem feminina e visualização de dados são o ponto de partida para suas construções. O primeiro deles, Ver e aprender o cinema na escola: reflexões e conjecturas sobre a Lei Nº13.006/2014, de Gabriel Pinheiro, relata como vem evoluindo a aplicação de uma lei que visa exibir filmes nacionais em sintonia com propostas pedagógicas em escolas brasileiras. Já em Comunicando resistências com João do Crato: pedagogias dissidentes como proposta para a cidadania, Walisson Araújo constrói um pensamento científico a partir do artista cearense João do Crato sob a ótica de questões pedagógicas e de um repensar da cidadania, a partir do coletivo e da resistência.

A proposta de Marcelo Silva, Gabriel Araújo e Ligia Clemente se efetiva com uma análise que tem como perspectiva memória, comunicação organizacional e os 40 anos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O texto Memória institucional de um campus universitário fora da sede: percursos de organização da memória dos 40 anos da UFMA – campus Imperatriz é uma construção realizada por equipe multidisciplinar e se efetiva com a aplicação de uma análise documental e de entrevistas semiestruturadas para desenvolver a narrativa sobre a história da Universidade.

Os dois artigos seguintes têm como perspectiva investigações sobre mulheres. No primeiro, O espaço destinado à mulher negra no telejornalismo: sub-representação nos telejornais brasileiros, de Laura Abreu e Rosangela Borges, ocorre um mapeamento de âncoras negras nas bancadas de telejornais brasileiros. Já Amanda Silva e Nivea Braga analisam como jovens mulheres percebem a imagem feminina nas redes sociais da internet. Em Redes sociais e o mito da beleza: um estudo sobre a imagem feminina na era digital, as pesquisadoras realizam o estudo a partir da conciliação entre análise de conteúdo e entrevistas presenciais.

Por fim, o texto O que os números contam sobre os municípios? Um modelo de visualização de dados do parecer prévio sobre prestações de contas municipais”, de Betina Ramos e Tattiana Teixeira, insere-se no universo das prestações de contas municipais para entender o acesso a essas informações e como aprimorar os comunicados finais dos tribunais de contas estaduais em relação às análises feitas pelas prestações de contas de municípios no Estado de Santa Catarina.

Ao término deste texto de apresentação, percebe-se o quanto a Iniciacom tem impactado na construção e na formação de jovens pesquisadores no Brasil. É a contribuição que a Intercom efetiva para fortalecer as ciências da comunicação, oportunizando um espaço de troca, desenvolvimento e pluralidade científica. Fica um forte agradecimento e reconhecimento a quem enviou seu texto, a quem avaliou e a quem faz da ciência um elo de ligação com uma sociedade mais justa, plural e consciente do verdadeiro valor da comunicação na luta contra a desinformação.

Ótima leitura.  

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Publicado

2022-09-07

Edição

Seção

Apresentação